Uma auditoria interna do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que a estratégia do governo federal de mirar o piso da meta fiscal, em vez do centro, pode levar a um aumento da dívida bruta em cerca de R$ 320 bilhões em uma década. O documento Técnico contesta os argumentos da Advocacia-Geral da União (AGU) e defende que o cumprimento do centro da meta é o parâmetro correto para congelamentos orçamentários.
A área técnica do TCU, através da Unidade de Auditoria Especializada em Orçamento, Tributação e Gestão Fiscal (AudFiscal), emitiu um parecer na última sexta-feira, 17, recomendando que os ministros da Corte mantenham a decisão de obrigar o governo a cumprir o centro da meta fiscal. O auditor-chefe adjunto Rafael Gomes Lima assinou o documento que rejeita os apelos da AGU.
Aumento da Dívida Pública em Debate
Segundo a AudFiscal, a decisão governamental de contingenciar gastos com base no limite inferior da meta fiscal resultará em um aumento da dívida bruta em ‘centenas de bilhões de reais’. Isso, por sua vez, eleva o custo de rolagem da dívida e o gasto com juros para o Governo. Os técnicos estimam que, enquanto a dívida bruta se estabilizaria em 87,1% do PIB em 2035 sob a política do centro da meta, ela poderia alcançar 89,7% do PIB no mesmo ano se orientada pelo limite inferior. Essa diferença de 2,6 pontos percentuais do PIB equivale a aproximadamente R$ 322 bilhões, com base em dados do Banco Central de agosto deste ano.
Em 15 de maio, o ministro Benjamin Zymler havia suspendido os efeitos da decisão do TCU que obrigava o governo a contingenciar gastos pelo centro da meta fiscal para 2025. A medida, com efeito suspensivo, atende a um recurso da AGU e aguarda o julgamento do mérito do recurso. No entanto, o parecer da AudFiscal sugere que o centro da meta seja mantido como referência.
O Novo Arcabouço Fiscal e a Divergência
O arcabouço fiscal estabelecido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em 2023 define uma meta de resultado primário com uma banda de tolerância. Para 2024, o centro da meta é déficit zero, com margem para déficit de 0,25% do PIB ou superávit de 0,25% do PIB. A divergência central reside em como os congelamentos de gastos, realizados ao longo do ano para assegurar o cumprimento da meta anual, devem ser aplicados.
Visões da AGU e do TCU
A AGU argumenta que os congelamentos deveriam mirar o piso da meta fiscal, sendo mais flexíveis ao longo do ano. A pasta baseia-se na Constituição Federal, que determina a execução ‘impositiva’ do Orçamento, e sugere que mirar o piso não justificaria congelamentos mais rigorosos, o que poderia prejudicar políticas públicas, investimentos e emendas parlamentares. A AGU aponta que o novo arcabouço considera a meta cumprida mesmo ao atingir o piso, e que a abordagem do TCU arrisca bloquear despesas discricionárias desnecessariamente.
Em contrapartida, os técnicos do TCU afirmam que a interpretação da AGU não se sustenta. Eles argumentam que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é clara ao delegar à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a definição dos critérios para congelamentos. A LDO de 2025, segundo o TCU, determina que o governo deve mirar o centro da meta. Além disso, o TCU ressalta que a própria equipe econômica propôs o piso inicialmente, mas o Congresso modificou o texto para que o centro fosse o objetivo fiscal. Os técnicos do TCU consideram que não há margem para interpretar o limite inferior como parâmetro de limitação de empenho, pois isso contraria a literalidade e a intenção legislativa.
O parecer da AudFiscal também aponta que a inconsistência da tese da AGU se agrava com a tentativa do Poder Executivo, no PLDO 2026, de retomar a redação que estabelece o piso como referência. Os técnicos do TCU argumentam que, se a tese defendida pela AGU já fosse válida, não haveria necessidade de novas alterações legislativas, pois o direito atual aponta para o centro da meta.
Fonte: Estadão