A capitalização de Mercado das stablecoins, criptomoedas atreladas a moedas fiduciárias e ativos reais como o dólar, atingiu um novo patamar histórico de mais de US$ 300 bilhões no final do terceiro trimestre. Este marco representa um crescimento de quase 20% em relação ao trimestre anterior, de acordo com o Crypto Industry Report da CoinGecko.
As stablecoins de dólar, que compõem 97% do segmento, tornaram-se um pilar central para o crescimento das Finanças descentralizadas (DeFi). Elas impulsionam o aumento do Valor Total Travado (TVL) em protocolos DeFi, métrica que indica o capital circulante nessas plataformas.
No entanto, o aumento na emissão e adoção dessas moedas digitais acende um sinal de alerta sobre seu potencial impacto no mercado financeiro tradicional.
As stablecoins operam como versões digitais de moedas como o dólar, euro e real, facilitando operações de câmbio, crédito e liquidez dentro do ecossistema cripto. Essas funções são análogas à compra e venda de moedas em corretoras, empréstimos e aplicações em bancos no sistema financeiro tradicional.
Na prática, o uso de stablecoins permite a troca de criptomoedas sem a necessidade de converter para o sistema bancário. Além disso, possibilita o Empréstimo de tokens em plataformas descentralizadas com recebimento de juros ou o fornecimento de liquidez a protocolos — similar a investimentos em fundos que remuneram a disponibilidade de capital.
Um maior volume de stablecoins em circulação tende a aumentar o fluxo de capital para essas operações, eliminando a intermediação de bancos e financeiras. Isso cria um ciclo de crescimento: mais stablecoins atraem mais liquidez para empréstimos e aplicações em DeFi, o que, por sua vez, atrai novos investidores e fortalece a utilização de plataformas descentralizadas.
A Tether (USDT) lidera globalmente o segmento, com uma capitalização de US$ 180 bilhões, apesar de ter visto sua participação de mercado cair de 65% para 61%. A USDe, da Ethena, despontou com um salto de 180% no trimestre, superando US$ 10 bilhões e alcançando a terceira posição entre as maiores stablecoins.
Stablecoins Impulsionadas por Clareza Regulatória e Segurança
Sebastián Serrano, presidente e cofundador da Ripio, atribui o crescimento das stablecoins à clareza regulatória nos Estados Unidos, com a aprovação do Genius Act. Essa legislação federal estabeleceu um regime regulatório mais rigoroso, reconhecendo oficialmente as stablecoins como instrumentos financeiros. A norma exige lastro integral em dinheiro ou títulos públicos de curto prazo, auditorias e relatórios mensais, além de supervisão pela Office of the Comptroller of the Currency (OCC).
O relatório da CoinGecko aponta que o otimismo em torno das stablecoins reflete uma percepção de segurança e maturidade do mercado. Esses ativos consolidaram-se como uma porta de entrada para investidores que buscam exposição ao universo cripto, mas preferem evitar a volatilidade de moedas digitais tradicionais.
Riscos para Bancos de Mercados Emergentes
Análises do banco britânico Standard Chartered apontam riscos significativos da adoção de stablecoins para bancos em economias emergentes. A migração de fundos de contas bancárias para criptos de dólar pode atingir US$ 1,2 trilhão nos próximos três anos, especialmente em países com moeda local instável ou alta inflação. Essa movimentação de recursos pode enfraquecer a liquidez do sistema financeiro local.
Apesar da cifra expressiva, a transferência de recursos representaria apenas cerca de 2% dos depósitos bancários nos 16 países analisados pelo banco, incluindo Brasil, Índia e Turquia.
Preocupações de Roberto Campos Neto
Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central e chefe global de políticas públicas do Nubank, expressou preocupação com a adoção em massa das stablecoins. Segundo ele, a digitalização do dinheiro e sua transferência para carteiras digitais podem reduzir a capacidade dos bancos de prover crédito e enfraquecer a condução da política monetária pelos bancos centrais, afetando o controle da inflação.
Campos Neto destacou que a função de reserva de valor em dólares cumprida pelas stablecoins é particularmente atraente em países emergentes com moedas locais instáveis ou restrição de saída de capital, funcionando como uma conta em dólar acessível e de baixo custo.
Fonte: Valor Econômico