O crítico literário Silvio Romero, conhecido por seus julgamentos incisivos, empregava uma metodologia de avaliação particular, muitas vezes distinta das convenções estabelecidas. Sua “régua” pessoal ditava a intensidade e a direção de suas Críticas, moldando percepções sobre obras e autores.
O Rigor e a Excentricidade de Silvio Romero
Em uma anedota peculiar, Romero expressou profundo descontentamento com um suposto admirador de Hegel na Livraria Garnier. Em tom exaltado, desancou o filósofo alemão, chamando-o de “cavalgadura” e “besta”, e criticou duramente outros pensadores como Schopenhauer, Bergson, Emerson e Nietzsche. Essa postura demonstrava sua audácia e o ímpeto combativo de seu temperamento.
Contudo, a mesma “régua” que aplicava com severidade a autores que não admirava, era usada com generosidade para seus discípulos. Ao avistar um jovem estudioso, fez questão de apresentá-lo a Coelho Neto, qualificando-o como um “gênio” e um “verdadeiro gênio”.
Romero não via o aluno como uma “tabula rasa”, mas como um “se pensante” capaz de engajar em debates e construir um diálogo intelectual com o mestre. Essa abordagem humanizava o processo de ensino e aprendizagem.
A “Régua” na Avaliação e a Justiça Crítica
Sua excentricidade era lendária, especialmente durante suas participações em Bancas Examinadoras. A originalidade de suas arguições era célebre, atraindo espectadores curiosos. Em uma ocasião, ao examinar um aluno cujo sobrenome era Correia, ele pediu que recitasse o soneto “As Pombas” de Raimundo Correia. Diante da declamação bem-sucedida, o aluno foi aprovado sumariamente.
Inicialmente, Romero mostrou-se inflexível com os versos inovadores de Cruz e Sousa, como os trechos do poema “Crocket”, considerando-os estranhos e repudiando a novidade com “chibata verbal”. No entanto, ao ser procurado por Nestor Victor, um crítico paranaense e amigo de Cruz e Sousa, que lhe apresentou a condição de pobreza, etnia e saúde debilitada do poeta, Romero mostrou-se comovido.
Após ouvir novamente os versos de Cruz e Sousa, desta vez com uma declamação mais emocionante, Silvio Romero reconheceu o mérito do poeta, declarando: “Ele é mesmo preto e tuberculoso? Mas então é um grande poeta!”. Essa atitude revela que sua “rudeza” não o impedia de ser justo e de reconhecer talento, mesmo quando confrontado com o preconceito.
Defesa da Amizade e o Legado Intelectual
O senso de justiça de Silvio Romero era enfaticamente evidente em sua Defesa a Tobias Barreto. Qualquer restrição ao amigo falecido era prontamente rebatida com veemência. Ele considerava uma injustiça e um “desconhecimento dos serviços relevantíssimos” que Tobias prestara à “nossa mentalidade”.
Muitas de suas polêmicas, inclusive o livro que abordava Machado de Assis, serviram primariamente como exaltação a Tobias Barreto, demonstrando a força de seus laços intelectuais e sua lealdade.
Fonte: Estadão