O Federal Reserve (Fed), banco central americano, enfrentará sua próxima reunião de política monetária em um cenário de incerteza econômica devido ao shutdown nos Estados Unidos. A paralisação do Governo federal suspendeu a divulgação de dados cruciais, dificultando a análise das autoridades monetárias sobre os riscos que merecem maior atenção.
Desde o início do shutdown em 1º de outubro, dados oficiais de emprego não são divulgados. As informações disponíveis, no entanto, indicam um crescimento fraco no Mercado de trabalho. Um relatório econômico do próprio Fed, que é autofinanciado, revelou possíveis fragilidades nos gastos dos consumidores, e pesquisas recentes sobre confiança empresarial mostraram uma queda.
Por outro lado, empresas alertam para aumentos de preços em um contexto de inflação acima da meta de 2% do Fed. Estimativas de crescimento econômico estão sendo revistas para cima, e economistas preveem um possível abalo econômico no próximo ano, impulsionado por novas leis tributárias que aumentam as restituições familiares.
O mercado financeiro aguarda uma redução de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros americana, levando-a para a faixa de 3,75% a 4,00%, durante a reunião do Fed nos dias 28 e 29 de outubro.
A Falta de dados essenciais leva economistas a descrever a situação como “voando às cegas”, especialmente no que diz respeito ao mercado de trabalho. O adiamento do relatório mensal de emprego (payroll) impede que as autoridades do Fed tenham uma leitura completa da situação desde o início de setembro.
O crescimento do emprego, que atingiu uma média mensal de 29 mil postos de trabalho entre junho e agosto, bem abaixo dos níveis pré-Covid-19, tem sido um foco central das autoridades do Fed, incluindo o presidente Jerome Powell.
Riscos adicionais surgiram, como as perdas com empréstimos de bancos regionais e tensões comerciais entre EUA e China, que poderiam impactar a clareza sobre novas regras de comércio global.
O Índice de Preços ao Consumidor (CPI) de setembro, cuja divulgação foi autorizada pelo governo para determinar o aumento anual do custo de vida da Previdência Social, é esperado para 24 de outubro. Economistas consultados pela Reuters projetam uma alta de 3,1% no ano, o que pode reavivar preocupações sobre a redução das taxas de juros.
O Índice de Preços de Gastos de Consumo Pessoal (PCE), utilizado pelo Fed para sua meta de inflação, subiu para 2,7% em agosto. Alguns formuladores de política monetária temem que o cenário de inflação persistentemente acima da meta, com famílias e empresas se acostumando a aumentos de preços, possa agravar o problema.
O presidente do Fed de Kansas City, Jeffrey Schmid, considera que a taxa de juros atual está “no lugar certo”, suficiente para conter a inflação. No entanto, o grau dessa pressão inflacionária é um ponto de debate, com o fluxo de dados governamentais sendo crucial.
As opiniões dentro do Fed divergem: enquanto alguns como Schmid se preocupam com a inflação, outros, como o diretor Stephen Miran, acreditam que as taxas estão altas e a inflação cairá. Todos, contudo, dependem de novos dados para validar suas perspectivas.
Embora existam fontes alternativas para monitorar o mercado de trabalho, como pedidos de auxílio-desemprego Estaduais, as alternativas para monitorar a inflação são mais limitadas. Relatórios privados sobre produção e atitudes corporativas e domésticas continuam a ser produzidos, mas dados mensais sobre consumo, gastos e os relatórios trimestrais de PIB podem ficar indisponíveis se o shutdown persistir.
O presidente do Fed de Richmond, Thomas Barkin, ressaltou que dados de transações com cartão de crédito, embora úteis, não são tão abrangentes nem tão calibrados quanto os relatórios governamentais, especialmente para segmentos da população com menor poder aquisitivo.
A complexidade da situação é exacerbada pela escassez de dados. A desaceleração do emprego, por exemplo, pode ter causas distintas – economia fraca ou política de imigração restritiva – e o relatório payroll, que inclui estimativas de trabalhadores estrangeiros e nativos, é fundamental para essa diferenciação.
Relatórios de inflação, que serão interrompidos após a próxima divulgação do CPI, também contêm dados valiosos para o Fed.
O diretor do Fed Christopher Waller descreveu o momento como particularmente complicado, com dados privados indicando contratações fracas, mas crescimento econômico potencialmente acelerado. Ele apontou para uma “bifurcação” na economia, com famílias mais ricas gastando e outras lutando contra preços altos, o que dificulta a leitura do cenário atual.
Waller defendeu cortes “cautelosos” nas taxas de juros, incluindo uma redução de 0,25 ponto percentual, mas alertou que novos cortes dependerão do comportamento da inflação e da continuidade do enfraquecimento do crescimento do emprego.
O presidente do Fed de Minneapolis, Neel Kashkari, sugeriu que a instituição pode “se manter firme” por enquanto, mas expressou preocupação com a capacidade de ler a economia adequadamente quanto mais tempo durar o shutdown.
O contexto econômico dos EUA é fundamental para as decisões de política monetária global, e a falta de dados confiáveis pode gerar volatilidade e incertezas adicionais nos mercados financeiros.
Fonte: Valor Econômico