Segurança Pública: Desafio de Lula e aliados de esquerda na América Latina

Segurança pública é um desafio para Lula e aliados de esquerda na América Latina. Veja como a região mais violenta do mundo lida com a criminalidade.
Segurança Pública América Latina — foto ilustrativa Segurança Pública América Latina — foto ilustrativa

A segurança pública, uma das maiores preocupações dos brasileiros, emergiu como um desafio significativo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após uma operação policial no Rio de Janeiro resultar em 121 mortes, opositores encontraram na questão da insegurança uma ferramenta para criticar o governo, em um momento em que Lula buscava recuperar sua popularidade. Na América Latina, a região mais violenta do planeta e onde o tema é altamente politizado, Lula não está sozinho: países liderados por aliados de esquerda, do Uruguai ao México, enfrentam a insegurança como um problema predominante em pesquisas de opinião. Alguns desses países têm sido alvo de pressões intervencionistas dos EUA sob o pretexto de combater o crime organizado.

Neste domingo, durante a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) na Colômbia, o combate ao crime organizado deve ser um dos eixos centrais da discussão. A reunião ocorre em um contexto de operações americanas contra embarcações suspeitas de transportar drogas e de ventilação, por parte do governo Donald Trump, sobre a possibilidade de ataques terrestres contra cartéis no México. Segundo auxiliares de Lula, o encontro servirá para discutir tanto as ações americanas quanto a pressão para que o Brasil classifique facções criminosas como “terroristas”. Especialistas e o governo refutam essa classificação, argumentando que ela poderia inibir investimentos e expor vítimas a riscos indevidos.

Aliados de direita e a pauta da segurança

Enquanto isso, vizinhos governados pela direita, como a Argentina de Javier Milei e o Paraguai de Santiago Peña, aderiram à ideia de classificar o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) sob a designação de terrorismo. Na política interna brasileira, a oposição, antes dispersa, tem se reagrupado em torno da pauta de segurança. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), tem fornecido aos demais governadores de direita o discurso de endurecimento no combate ao crime, discurso que encontra eco em pesquisas que indicam apoio popular a tais operações.

“Os países têm problemas sérios de segurança pública. A questão é como esse problema é utilizado politicamente. Em geral, o que está colocado hoje são as alternativas de repressão, e isso tem forte apelo político, já que a maioria da população atingida pela violência tem urgência”, analisa o cientista político Thiago Rodrigues, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele acrescenta que a falta de alternativas pragmáticas e imediatas oferecidas pelo campo democrático falha em apresentar soluções que não sejam apenas repressivas, apesar da urgência da população.

Desafios da esquerda na segurança pública

Para políticos que não se alinham com a “direita belicosa”, como avalia o pesquisador, o desafio é apresentar soluções eficientes. Um caminho promissor seria o foco no poder financeiro das facções e a atenção a crimes de menor potencial ofensivo, como roubos de rua. “Não se pode mais abrir mão do debate de combate à criminalidade. Tem que falar de eficiência, não de coisas abstratas”, ressalta Rodrigues. “Pesquisas mostram que as pessoas estão preocupadas com roubo de celular, não só com homicídios.”

Entre os países governados pela esquerda, o México, sob a presidência de Claudia Sheinbaum, é o único a apresentar um saldo de aprovação confortável. Em outros casos, como o de Lula e do uruguaio Yamandú Orsi, há um empate entre aprovação e rejeição à gestão. Na Colômbia de Gustavo Petro e no Chile de Gabriel Boric, a desaprovação predomina. Em todos esses países, termos relacionados à segurança pública lideram as preocupações nas pesquisas. No Chile, a “delinquência” é citada por 60% da população como o principal problema, e o Governo Boric enfrenta baixa avaliação, com eleições se aproximando.

“É interessante ver a própria ideologização do tema da segurança pública, algo bem comum na América Latina”, observa a pesquisadora Marilia Carolina Souza Pimenta, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Isso nos remete à polarização, na qual se pretende fazer acreditar que governos de direita seriam mais combativos ao crime com as chamadas políticas de ‘mano dura’, hoje muito representadas pelo Bukele, de El Salvador, que tem feito essa exportação a outros países.”

https://www.youtube.com/watch?v=VIDEO_ID_1

Análise sobre a segurança pública na América Latina.

O México e a pressão dos EUA

Mesmo no México, o tema da segurança pública desafia o governo Sheinbaum, que precisa lidar tanto com os problemas internos quanto com a ameaça de intervenção por parte dos EUA. Após os primeiros ensaios intervencionistas de Trump, o governo mexicano lançou o lema “cooperação sim, submissão não”. Além de firmar acordos de cooperação com os Estados Unidos, a presidente Sheinbaum tem focado em apresentar resultados internos no combate ao crime. Em seus primeiros 11 meses de gestão, o México registrou a prisão de 35 mil criminosos, número significativamente superior aos 12,5 mil detidos nos seis anos de seu antecessor e aliado, Andrés López Obrador.

América Latina: A região mais violenta do mundo

Um relatório da ONU de 2019 já apontava a gravidade da violência regional. Embora represente apenas cerca de 8% da população mundial, a América Latina concentrou, naquele ano, 37% dos homicídios globais, configurando-se como a região mais violenta do planeta em termos proporcionais. Enquanto governos de esquerda lutam para encontrar um discurso eficaz contra o crime, líderes de direita têm explorado essa brecha para intensificar suas ações e retórica. O caso de Nayib Bukele, em El Salvador, é emblemático. Ele promove o encarceramento em massa e, apesar das acusações de violações de direitos humanos, seu modelo tem impulsionado sua popularidade.

“A direita consegue se mobilizar melhor em torno da pauta de segurança porque o discurso de solução militarista soa muito bonito”, avalia Lucas Rezende, professor de política internacional e de defesa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “O problema é que isso justifica medidas excepcionais, em vez de fortalecer o estado democrático, os direitos civis, as instituições que investigam. Há estudos consensuais sobre essas soluções, mas eles não são bem-sucedidos em passar à população essa visão.”.

Os governos de esquerda têm se distanciado de Nicolás Maduro, e o Brasil, assim como o Chile e o Uruguai, não reconhece a recente vitória eleitoral do venezuelano. Contudo, os recentes bombardeios americanos no Mar do Caribe têm gerado uma onda de solidariedade à Venezuela. “A maneira como isso tem acontecido é extremamente preocupante. Não que não seja desejável que o governo Maduro, que não é democrático, caia. É desejável. Criticar os movimentos de Trump não significa defender Maduro”, pondera Lucas Rezende. “A ida do Brasil à Celac passa uma mensagem fundamental: o país, não só pelo tamanho territorial, mas econômico e populacional, tem um papel preponderante na região.”

A retórica dos Estados Unidos, frequentemente apoiada por setores da direita latino-americana, utiliza o termo “narcoterrorismo” para descrever facções. Especialistas criticam essa classificação, pois ela pode gerar consequências econômicas negativas, como a dissuasão de multinacionais e instituições financeiras. Além disso, a definição etimológica é questionada, uma vez que facções como CV e PCC estariam mais focadas em lucro financeiro do que em ideais políticos ou religiosos.

“É uma grande construção de ameaça ao juntar dois perigos, mas que não existe como uma ameaça real disseminada pela América Latina”, afirma Thiago Rodrigues. “A ideia de que as pessoas comprem o conceito é muito perigosa, principalmente porque tem ressonância nos países e é instrumentalizada pela ultradireita.”

Fonte: InfoMoney

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