A responsabilidade do gestor público pela administração dos recursos estatais exige um marco normativo que reconheça a legalidade, mas também os limites objetivos e temporais de sua atuação. No Brasil, as finanças públicas são centrais no debate sobre desenvolvimento, ética e eficiência governamental. Contudo, o endurecimento normativo, descolado da realidade, pode gerar receio paralisante em gestores e artifícios para contornar restrições. Para enfrentar esse dilema, é preciso redesenhar a responsabilização administrativa, fundamentando-a em transparência fiscal, moralidade pública e accountability compatível com a governança contemporânea.
Transparência Qualificada e Moralidade Objetiva
A transparência, como princípio estruturante, vai além da mera Publicidade. Ela exige clareza nas intenções, previsibilidade nas decisões e compromisso com o bem comum. O gestor íntegro encontra na exposição de seus atos um mecanismo de legitimação. Trata-se de uma transparência qualificada, que visa garantir a inteligibilidade das informações e a participação social no controle dos gastos. A moralidade, nesse contexto, é uma categoria concreta que fortalece os princípios constitucionais da administração pública.
A política pública moderna demanda uma reinterpretação da accountability. O conceito tradicional, centrado na prestação de contas ex post, mostra-se insuficiente. A accountability proposta deve ser relacional, orientada para resultados e comprometida com a integridade da política pública. Isso significa que a responsabilização do gestor não pode ser automática ou desvinculada das circunstâncias fáticas e normativas de suas decisões. O gestor deve ser avaliado pela capacidade de promover resultados legítimos e sustentáveis, respeitando a eficiência e o equilíbrio federativo.
Limites Temporais e Responsabilização Justa
Nesse sentido, a criação de limites temporais objetivos para a análise da responsabilidade subjetiva do gestor público ganha relevância. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) já prevê relatórios quadrimestrais de gestão fiscal, que fornecem dados comparativos sobre gastos com pessoal, dívida e operações de crédito. Esses marcos regulares poderiam ser utilizados como referência para aferição da responsabilidade, delimitando a evolução da situação fiscal sob a ótica do mandato, e não de forma isolada. Assim, a responsabilidade deixaria de ser um julgamento retroativo impreciso e passaria a se basear em evidências documentadas e comparativas. O objetivo é criar um ambiente mais justo, capaz de distinguir a má gestão intencional das contingências estruturais.
A proposta não visa flexibilizar o controle, mas sim qualificá-lo. A clareza das metas, a previsibilidade dos critérios e o respeito à equidade federativa reforçam a cultura da responsabilidade pública. Os parâmetros objetivos auxiliam na fixação de sanções proporcionais e na prevenção de abusos interpretativos por parte dos órgãos de controle. A responsabilização eficaz atua como mecanismo pedagógico e preventivo, não como instrumento de Punição indiscriminada.
Fortalecimento Institucional e Desenvolvimento Sustentável
Ao aliar transparência, moralidade e accountability em uma estrutura coerente, cria-se o ambiente necessário para o fortalecimento institucional das finanças públicas. É a boa governança fiscal que permitirá aos entes federativos atuar como agentes estratégicos de desenvolvimento. Não se trata apenas de preservar o equilíbrio fiscal, mas de garantir que os recursos públicos ampliem a Justiça social, reduzam desigualdades e impulsionem o crescimento sustentável.
A responsabilidade fiscal deve estar a serviço de uma visão maior: a do desenvolvimento humano e econômico como direito coletivo e compromisso intergeracional. Esse desenvolvimento exige planejamento, previsibilidade, segurança jurídica e, acima de tudo, Confiança – entre gestores e sociedade, entre entes federativos, entre o presente e o futuro. O Direito Financeiro, com os princípios da ética pública, deve oferecer os instrumentos para que esse horizonte se torne exequível.
O Brasil precisa reconfigurar sua lógica de responsabilização do gestor público à luz da realidade administrativa e fiscal do país. É hora de construir um novo pacto institucional baseado em confiança, técnica e responsabilidade compartilhada. Somente assim será possível restaurar a legitimidade da ação pública e garantir finanças públicas saudáveis, capazes de sustentar um ciclo virtuoso de crescimento e inclusão. A convergência entre transparência, responsabilidade e desenvolvimento deve se tornar uma política de Estado.
Fonte: Estadão