A indústria de caminhões no Brasil enfrenta uma retração significativa nas vendas em 2024, com projeções indicando um recuo de alta magnitude. A principal causa apontada por fabricantes é a combinação de juros elevados, com a taxa Selic em 15%, e as restrições de crédito. Esses fatores descapitalizam os produtores do agronegócio, segmento crucial para o setor de veículos pesados.
O maior impacto é sentido no segmento de caminhões extra pesados, responsáveis por mais de 40% do volume total. Esses veículos, com capacidade acima de 30 toneladas, são essenciais para o escoamento de grãos, como soja e milho, especialmente para os portos do Centro-Oeste. Outras cargas importantes incluem cana de açúcar, produtos químicos, combustíveis, madeira, minérios e bens do e-commerce.
Ao contrário do Mercado de automóveis e veículos leves, que projeta crescimento em 2025, as vendas de caminhões devem encerrar o ano com uma queda média de 8%, segundo fabricantes. No segmento extra pesado, a retração chega a 26% até setembro. Dados da Anfavea mostram que, até setembro, foram vendidas 84.016 unidades, 7,7% a menos que no mesmo período de 2024.
Impacto do Agronegócio na Descapitalização de Produtores
Fábio Silveira, economista da MacroSector Consultores, destaca que a piora na rentabilidade do produtor de soja, mesmo com a perspectiva de safra Recorde, é um fator determinante. A relação de troca para o produtor de soja piorou consideravelmente: são necessárias 24 sacas para comprar uma tonelada de fertilizante, ante 20 sacas anteriormente. O aumento do preço dos insumos, impulsionado pela guerra na Ucrânia, e a estabilização da cotação do grão em torno de US$ 10 por bushel contrastam com os US$ 14 de antes.
Silveira prevê que o cenário não deve melhorar em 2025, antecipando uma economia mundial em baixa e os efeitos das tarifas impostas pelos Estados Unidos. A inadimplência e o endividamento dos produtores de grãos devem permanecer altos, com os bancos adotando uma postura mais restritiva na concessão de crédito. A competitividade do produtor brasileiro de soja também é menor, com subsídios que variam de 1% a 2%, em comparação com os 12% dos EUA.
Perspectivas e Cenários para o Setor de Caminhões
A Scania, com quase metade de suas vendas ligada ao agronegócio, admite um 2025 “menor” em termos de volume. O aumento dos Custos de insumos e a menor apreciação do dólar impactam a capacidade dos produtores de renovar suas frotas. A taxa Selic de 15%, somada a spreads bancários de 4% a 5%, também pesa nas decisões de compra.
O cenário para 2025 é similar a 2024, com restrições de crédito e aumento da inadimplência. Um ponto positivo é o segmento de e-commerce, que apresenta crescimento expressivo. Clientes autônomos ou com poucas unidades sofrem mais com a restrição de crédito, necessitando de contratos pré-assinados para viabilizar a compra.
A Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO), com portfólio concentrado em leves, médios e semi-pesados, tem apresentado bom desempenho e ganhado participação de mercado. O segmento extra-pesado, que representa 10% a 11% de suas vendas, enfrenta dificuldades semelhantes às de outras montadoras. A projeção da indústria para emplacamentos em 2024 é de cerca de 114,5 mil veículos.
Mercedes-Benz Contramão e Segmentos em Alta
A Mercedes-Benz se destaca, fechando 2024 com expectativa de aumento de dois dígitos nas vendas. De janeiro a setembro, a empresa registrou alta de 11%, impulsionada principalmente pelos segmentos de semi-pesados (14% de alta) e médios. Nos pesados e extra-pesados, o crescimento foi mais modesto, de 0,4%.
O lançamento do modelo Accelo, entre 9 e 14 toneladas, ajudou a suprir uma lacuna no mercado. Embora haja demanda reprimida por veículos de alta capacidade, a viabilidade financeira, impactada pelos juros e pelo custo dos insumos, é um gargalo. O mercado de seminovos, por exemplo, cresceu cerca de 20% neste ano.
Para 2026, a Mercedes-Benz vislumbra um cenário um pouco melhor, com a expectativa de queda da Selic, maior estabilidade no frete e injeção de recursos na economia. Investimentos em infraestrutura, construção civil e o setor de combustíveis sinalizam oportunidades. A exportação, especialmente para a Argentina, tem auxiliado a compensar a queda nas vendas internas de modelos mais afetados.
Fonte: Estadão