André Lara Resende: Dólar Ameaçado, Fim de Ciclo do Padrão-Ouro

André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, adverte que o predomínio do dólar está ameaçado. Análise sobre o fim do ciclo do padrão-ouro e futuros cenários.
André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, analisa a ameaça ao predomínio do dólar. André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, analisa a ameaça ao predomínio do dólar.

O predomínio do dólar no cenário financeiro global está sob forte ameaça, sinaliza André Lara Resende, um dos arquitetos do Plano Real. Em artigo recente, Resende aponta para o possível encerramento de um ciclo global iniciado após a Primeira Guerra Mundial, marcado pelo fim do padrão-ouro.

Cenários Pós-Dólar

A possível perda de proeminência do dólar abre dois caminhos distintos para o futuro. O primeiro prevê uma crescente fragmentação do comércio e do sistema financeiro Internacional, com a consolidação de blocos regionais. Essa divisão poderia intensificar o risco de conflitos armados e impactar negativamente o bem-estar global. Alternativamente, a China poderia ascender ao papel de principal detentora da moeda mundial.

O artigo, divulgado pela revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), traça um panorama histórico da ascensão do dólar. Ele detalha as condições essenciais para que uma moeda se torne reserva internacional e explora como, nas últimas gestões, o Governo Donald Trump teria minado esses fundamentos. “A fúria desorganizadora do presidente americano nada poupa”, constata Resende, que também é conselheiro do Cebri.

“Das inúmeras frentes em que se propõe a desmontar a ordem estabelecida, o recente ataque à independência do Fed talvez seja a mais crítica e potencialmente perigosa para o dólar e a estabilidade do sistema financeiro internacional”, avalia o economista.

Vantagens e Paradoxos da Moeda de Reserva

Resende explica que ter a moeda de reserva Internacional confere vantagens significativas a um país. Entre elas, a capacidade de financiar compromissos externos sem a necessidade de acumular reservas, permitindo déficits recorrentes. Além disso, a dívida do país tende a ter juros mais baixos, percebida como de baixo risco de crédito.

No entanto, o economista aborda o paradoxo de Triffin, formulado por Robert Triffin na década de 1950. Este paradoxo destaca que o emissor da moeda de reserva tem a obrigação de fornecer liquidez Internacional para o bom funcionamento do comércio global. Isso exige déficits recorrentes e crescentes por parte do país emissor.

O texto revisita o período pós-guerra, detalhando a transição dos Estados Unidos de superavitário para deficitário. O artigo então se volta para a conjuntura atual, citando a análise de Stephan Miran, ex-chefe do Conselho de Assessores Econômicos de Trump e atual membro do Federal Reserve (Fed). Miran, em um texto de 2024, descreve os inconvenientes enfrentados pelo emissor da moeda de reserva.

“Segundo Miran, a necessidade de manter déficits externos para suprir a liquidez internacional levou à sobrevalorização do dólar, o que, por sua vez, provocou a desindustrialização americana”, cita Lara Resende, referindo-se ao ensaio “A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System”. Segundo Resende, o ensaio de Miran representa um “ataque direto às condições necessárias para ser o detentor da moeda de reserva mundial”.

André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, analisa a ameaça ao predomínio do dólar.
André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, analisa a ameaça ao predomínio do dólar.

Pilares do Dólar Sob Pressão

Resende identifica seis pilares que, segundo especialistas, sustentam a posição de uma moeda como reserva internacional. Ele aponta que várias dessas bases estão sendo enfraquecidas.

A estabilidade macroeconômica, que engloba políticas fiscal e monetária para controle da inflação, está sendo comprometida por pressões sobre o Fed para reduzir juros e pela aprovação de orçamentos com cortes de impostos e aumento de gastos.

A independência de um Banco Central em relação a pressões políticas é outro pilar abalado, evidenciado pelas ameaças de demissão de Jerome Powell e ações para remover membros do comitê de política monetária.

O princípio de liberdade nos fluxos de capitais, sem controles cambiais, também sofre abalos. Miran sugeriu a taxação de detentores estrangeiros de títulos públicos americanos e o alongamento compulsório da dívida pública.

Mercados financeiros líquidos e profundos, qualidades que o dólar ainda detém, mostram sinais de alerta com o recente aumento da volatilidade dos títulos públicos. Isso é visto como um indicativo de que a exigência de preços transparentes e relativamente estáveis pode estar sendo comprometida.

Os conflitos de Trump com o ordenamento legal levantam dúvidas sobre a manutenção de um mercado financeiro líquido e profundo. Adicionalmente, o uso do dólar como arma de guerra, através de sanções e sequestro de reservas, contraria o princípio de que a moeda de reserva deve ser tratada como um bem público, e não como instrumento de poder.

O Futuro da Moeda Mundial

Por fim, a proliferação de moedas digitais privadas atreladas ao dólar pode reduzir seu espaço como meio de pagamento, tanto nacional quanto internacional. Lara Resende alerta que “Sua proliferação irá reduzir a transparência, facilitar a evasão fiscal e as transações ilícitas, além de aumentar o risco de corridas e ataques especulativos, que podem forçar a venda desordenada dos títulos públicos americanos que mantêm como lastro”.

A questão sobre se a China assumirá o lugar do dólar permanece em aberto. “Veremos se, de fato, este será o papel exercido pela China, ou se ela será apenas o agente acelerador da destituição do dólar”, conclui Resende.

O artigo completo pode ser acessado em cebri.org.

Fonte: Valor Econômico

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