A política é um campo de batalha para quem possui nervos de aço e estômago para lidar com conflitos, pois é dominada por seres humanos, com suas imperfeições e falhas. Apesar de discursos edificantes, a prática nem sempre é digna de louvor. Essa dinâmica não é nova e a História do Brasil oferece inúmeras evidências de intrigas partidárias e traições.
Rivalidades Históricas na Política Brasileira
Um exemplo notório de divergências políticas e quebras de amizade ocorreu com Francisco Glicério. Considerado o “Pai da República” e chefe das vinte e uma brigadas do poderoso PRF – Partido Republicano Federal, Glicério enfrentou borrascas em sua trajetória. Ele divergiu de Prudente de Morais, levando a uma rivalidade que culminou em antagonismo irreconciliável. Essa quebra de laços não é exclusiva de Glicério e Morais, sendo uma ocorrência comum na rotina dos partidos políticos.
O Caso do Atentado contra Prudente de Morais
Poucos hoje se interessam pelos eventos que transcorreram na Câmara Federal na segunda quinzena de julho de 1898. Na época, analisava-se o pedido de um promotor público para processar criminalmente deputados apontados como inspiradores ou “autores intelectuais” do atentado de 5 de novembro de 1897. O alvo era o Presidente Prudente de Morais, que recebia tropas vencedoras em Canudos. Na ocasião, o Marechal Bittencourt recebeu o projétil e veio a falecer.
Os deputados em questão eram Francisco Glicério (São Paulo), Irineu Machado (Distrito Federal), Torquato Moreira (Espírito Santo), Alcindo Guanabara (Estado do Rio) e Barbosa Lima (Pernambuco).
Debates na Câmara e Defesa dos Parlamentares
O deputado baiano João Galeão Carvalhal, representante de São Paulo e figura respeitada, iniciou os debates na Câmara. Seu pronunciamento foi recebido com grande silêncio, com a ala governista apartando o orador, enquanto figuras como Nilo Peçanha e Paula Ramos o apoiavam. Carvalhal lançou um desafio: “Se há alguém, que tenha uma suspeita, sequer, sobre a inocência de nossos honrados companheiros, que venha afirmá-lo, com a responsabilidade dos seus nomes e da sua posição!” O silêncio foi quebrado por Pinto da Rocha, que exclamou: “Este inquérito é uma indecência, uma obscenidade!”, culminando em tumulto e interrupção da sessão.
A bancada de Francisco Glicério questionava a atuação de J.J. Seabra, que advogava pela viúva do Marechal Bittencourt, evidenciando seu interesse direto no caso. Seabra, com sua retórica afiada, defendeu a licença como um meio de apurar a participação dos suspeitos, sem implicar em condenação imediata. Ele destacou que o próprio Glicério aguardava serenamente ser chamado a juízo para apresentar sua Defesa.
A Opinião de Calógeras e o Veredito Parlamentar
As sessões se estenderam devido ao grande número de deputados ansiosos por expressar suas posições. Calógeras, embora governista e apoiador de Prudente de Morais, destacou-se por sua integridade. Ele argumentou que o processo era uma “monstruosidade inconveniente”, envenenado por ira e ressentimento, comprometendo a Justiça. Calógeras defendeu Glicério, descrevendo-o como “um homem cuja vida é uma tradição de pureza, mais do que isso, uma honra para o Estado que o elegeu e uma glória para o nome brasileiro”.
Ele concluiu que a Câmara deveria negar a licença pedida para processar seus membros, considerando a agitação política indigna de um Parlamento decente. Após acalorados debates, 177 parlamentares compareceram à votação. 92 negaram a licença, enquanto 85 a concediam, em uma impressionante demonstração do Parlamento em Defesa da intangibilidade de seus integrantes.
Fonte: Estadão