Técnicos do Planejamento confrontam governo e defendem centro da meta fiscal

Técnicos do Planejamento recomendam mirar centro da meta fiscal, divergindo do governo e do entendimento jurídico. Entenda o caso e o impacto.
meta fiscal — foto ilustrativa meta fiscal — foto ilustrativa

Técnicos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento (MPO) defenderam em maio que o governo deveria contingenciar despesas focando no centro da meta fiscal, contrariando a posição oficial da equipe econômica. Essa recomendação foi citada pela auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em setembro, gerando desconforto nos bastidores. Recentemente, o TCU suspendeu os efeitos de sua própria decisão que obrigava o governo a contingenciar gastos para atingir o centro da meta fiscal, em vez do piso.

A conclusão da nota técnica 477, obtida pelo Estadão/Broadcast, diverge da visão dos comandos do Planejamento e da Fazenda, que sustentam a impossibilidade de contingenciar gastos para cumprir apenas o piso da meta fiscal. Em resposta, o Ministério da Fazenda optou por não se pronunciar, enquanto o MPO afirmou que segue o entendimento vigente do TCU até a recente decisão.

Atualmente, o Governo projeta um déficit primário de R$ 30,2 bilhões, inferior ao limite inferior da meta, que permitiria um rombo de R$ 31,0 bilhões. Consequentemente, nenhuma despesa foi contingenciada.

“Enquanto não ameaçar o resultado da meta de resultado primário — e a meta está cumprida no piso da banda —, a ferramenta de contingenciamento não pode ser utilizada, mas tem outras ferramentas, evidentemente, que a gente vai utilizar”, declarou o secretário de Orçamento Federal, Clayton Montes, em 22 de setembro.

O entendimento dos técnicos da SOF foi diferente. Em nota técnica enviada ao secretário quatro meses antes, eles recomendaram explicitamente que os Relatórios Bimestrais de Receitas e Despesas Primárias apurassem a necessidade de contingenciamento frente ao centro da meta de resultado primário. Essa nota precedeu o relatório do terceiro bimestre, de julho, que foi analisado pelo TCU em setembro.

Riscos às Contas Públicas Apontados por Técnicos

Do ponto de vista econômico, os técnicos alertam que a busca pelo piso da meta poderia acarretar um aumento da dívida pública acima do previsto pelo governo. As projeções do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 indicam uma alta da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) para 84,2% do PIB em 2028, o que considera o atingimento dos alvos centrais.

“Resultados primários abaixo do centro da meta tendem, tudo mais constante, a impactar a trajetória projetada para a dívida, trazendo risco de comprometimento para o alcance dos objetivos de sustentabilidade e estabilização da dívida pública esculpidos na Lei Complementar nº 200/2023 (que criou o arcabouço fiscal)”, ressalta a nota, assinada pela coordenadora-geral de Assuntos Macro-Orçamentários, Ana Beatriz Sabbag Cunha.

Interpretação da Lei e Pareceres Jurídicos

Em termos jurídicos, a nota técnica argumenta que o artigo 69 da LDO de 2025 determina expressamente que os contingenciamentos devem mirar o centro da meta fiscal deste ano. Embora o projeto tenha sido enviado ao Congresso sem essa determinação, ele foi alterado durante a tramitação, conforme apontam os técnicos.

A posição dos técnicos da SOF contrasta com o entendimento da Consultoria Jurídica do MPO (Conjur) e da Advocacia-Geral da União (AGU), que já haviam defendido a impossibilidade de os contingenciamentos mirarem o centro da meta. Em parecer publicado em 21 de maio, após ser acionada pela SOF, a Conjur reforçou a avaliação de que o governo só pode contingenciar focando no piso do alvo.

“Embora setores técnicos do TCU tenham sugerido interpretação que admita discricionariedade para contingenciar até o centro da meta, tal entendimento ainda não foi formalizado pela Corte”, conclui o parecer da Conjur. O órgão de assessoramento jurídico entende que uma combinação de leis corrobora a posição de que o governo não pode decidir contingenciar pelo centro da meta, apenas pelo piso.

Repercussões e Reações na Equipe Econômica

Membros da equipe econômica, que pediram anonimato, negam conflitos em relação à posição oficial do governo. Uma fonte próxima ao tema afirma que é comum áreas apresentarem posições específicas, o que não contraria o entendimento geral de que o contingenciamento só pode ser feito pelo piso. Essa fonte também avalia que o TCU não basearia sua decisão em uma posição de uma área técnica específica da SOF e lembra que o governo tem promovido a limitação de empenho de despesas (o MPO chama de “faseamento de despesas”) de olho no centro da meta fiscal, de déficit zero.

Outra pessoa a par do assunto relatou desconforto com a nota técnica da SOF, pois percebe que o texto foi utilizado como argumento na análise do TCU. A interpretação sobre qual ponto da meta perseguir já teria sido amplamente debatida na equipe econômica, com a participação de diversos órgãos, incluindo a SOF. A nota 477, então, teria surgido de forma inesperada.

Conforme noticiado pelo Estadão/Broadcast, a área técnica do TCU considera que o governo tem buscado transformar o piso da meta fiscal em um alvo efetivo. No Executivo, o alerta da Corte de Contas gerou preocupação com o risco de expor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma situação similar à que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. Naquela ocasião, a justificativa para o afastamento da ex-presidente foram as chamadas “pedaladas fiscais”, manobras contábeis que melhoravam artificialmente as contas públicas, apontadas pelo TCU.

Em Nota Oficial, o Ministério do Planejamento e Orçamento declarou: “Considerou as manifestações que embasaram a primeira avaliação bimestral e, mediante entendimentos institucionais da SOF e do MPO, seguiu o entendimento legal/jurídico vigente até a recente decisão do Tribunal. Ademais, tendo em vista que a decisão ainda se encontra em fase recursal, o ministério se abstém de tecer maiores comentários durante este período”.

Fonte: Estadão

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