O mercado de multipropriedade no Brasil está em fase de amadurecimento e já atrai investimentos milionários. Um relatório da Caio Calfat Real Estate Consulting aponta que mais de 1,2 milhão de cotas foram lançadas. Com uma legislação mais segura, o setor vê o surgimento de grandes empreendimentos voltados tanto para a classe média quanto para o público de alto padrão em destinos turísticos consolidados.
Um exemplo desse crescimento é a GAV Resorts, que já lançou 13 empreendimentos no país. A empresa planeja investir mais de R$ 517 milhões em dois novos projetos este ano, um no Nordeste e outro no Sul. A GAV já entregou o Pyrenéus Residence, em Pirenópolis (GO), um projeto com 150 apartamentos e investimento de R$ 150 milhões. As 3,9 mil cotas, vendidas a R$ 58 mil, garantem ao comprador duas semanas de uso anual, e 70% já foram comercializadas.
Outro empreendimento da GAV Resorts é o Porto 2 Life Resort, em Ipojuca (PE), na região do Porto de Galinhas. Será o maior projeto da companhia, com 990 apartamentos e 62 mil m² construídos. As 27.040 cotas, negociadas a R$ 67 mil, já foram vendidas, sendo 90% para duas semanas de uso e 10% para uma semana anual.
Manoel Vicente Pereira Neto, CEO da GAV Resorts, analisa: “A pandemia mudou a percepção da multipropriedade como algo supérfluo. As pessoas estão dando mais valor à segunda residência e ao lazer. Estamos passando por uma transformação cultural e o preconceito com a modalidade está cada vez menor”.
Economia Compartilhada e Potencial de Mercado
O estudo “Cenário do Desenvolvimento de Multipropriedades no Brasil” revela 216 empreendimentos do tipo no país, com um VGV potencial superior a R$ 92 bilhões. O Sudeste concentra 51 empreendimentos, o Sul tem 68 e o Nordeste, 63.
Caio Calfat, fundador da consultoria homônima, destaca: “A multipropriedade tem a capacidade de gerar estímulos. Quando comparada a outras modalidades de segunda propriedade, nenhuma teve um crescimento tão significativo, de forma tão rápida e tão espalhada pelo País”. O modelo demonstrou resiliência, sobrevivendo à recessão de 2014 e à crise da pandemia.
O segmento é majoritariamente ligado à classe média, com mais de 40% dos compradores ganhando entre 5 a 10 salários mínimos. Apenas 4,3% recebem acima de 30 salários mínimos. No entanto, projetos de alto padrão também começam a ganhar espaço.
Inovação no Alto Padrão: My Door e Amazon Park Resorts
A My Door, fundada por Roberto Pinheiro, ex-Gafisa, negocia casas compartilhadas em destinos de lazer. A empresa possui mais de 30 imóveis no litoral norte de São Paulo, Bahia e Ceará, dividindo as cotas entre dois a oito sócios. O tempo médio de utilização é de 40 dias por ano, com flexibilidade para fracionar o uso.
A My Door oferece serviços de concierge para preparar o imóvel e organizar experiências personalizadas. O modelo de negócio envolve a criação de uma sociedade para titularizar a propriedade, onde o comprador se torna acionista. Os preços das cotas variam de R$ 400 mil a R$ 4 milhões.
Pinheiro observa uma mudança de paradigma no público de alto padrão: “A ideia de propriedade compartilhada passou a ser melhor aceita. As pessoas ficam em hotel e são adeptas do Airbnb. Mesmo quem tem muito dinheiro sabe que compartilhar é mais eficiente e inteligente”.
O turismo brasileiro, que faturou quase R$ 108 bilhões no primeiro semestre de 2025, impulsiona novos projetos como o Amazon Park Resorts, em Penha (SC). Próximo ao Parque Beto Carrero World, o empreendimento prevê três torres, piscina e 9 mil m² de área construída, com selo da Wyndham Hotels & Resorts, com entrega prevista para o final de 2026.
As cotas do Amazon Park Resorts variam de R$ 30 mil a R$ 90 mil, garantindo direito de uso vitalício. Roberto Kwon, CEO do projeto, revela que 60% das 7 mil cotas já foram vendidas, com um investimento de R$ 100 milhões.
Marco Legal e Perspectivas para o Setor
A Lei da Multipropriedade, promulgada no final de 2018, regulamentou o uso compartilhado de imóveis, conferindo segurança jurídica ao setor. A legislação permite que cada coproprietário tenha seu direito de uso registrado em cartório, possibilitando venda, aluguel ou transferência.
Luciana Nandini, advogada imobiliária, explica: “É como um condomínio, em que cada proprietário de imóvel têm direito a sua matrícula. E, quando falamos em matrícula, via de regra, estamos falando de possibilidade de financiamento imobiliário”. A regulamentação transformou a percepção da multipropriedade, atraindo famílias e mudando a narrativa para algo mais próximo de um “clube”.
Espera-se o surgimento de mais projetos temáticos, voltados para nichos específicos como equitação, golfe ou windsurf, oferecendo os benefícios da segunda residência com Custos reduzidos.
Desafios e Análise de Rentabilidade
Apesar do otimismo, o setor enfrenta Críticas relacionadas a processos judiciais e dificuldades de distrato. A inadimplência no segmento aumentou de 5% para 8% no último ano, e os estoques variam entre 45% e 50%, chegando a quase 70% em empreendimentos com cotas acima de R$ 80 mil.
Caio Calfat adverte que a cota de multipropriedade não deve ser vista como um investimento financeiro. “Assim como ocorre na segunda moradia, o comprador dificilmente estará fazendo um bom negócio financeiro. O mercado primário ainda é muito novo, portanto dificilmente o comprador terá um alto valor de revenda no mercado secundário”, afirma. O foco principal do comprador deve ser no lazer, nas férias e na experiência.
Fonte: Estadão