O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) acusa o governo paulista de realizar pagamentos irregulares em 147 contratos da Secretaria da Agricultura no final de 2022, durante a gestão de Rodrigo Garcia (PSDB). Mais grave, relatos apontam que a administração de Tarcísio de Freitas (Republicanos) teria atuado para obstruir as investigações sobre os desvios.



De acordo com depoimentos obtidos pela Promotoria do Patrimônio Público, o então secretário da Agricultura, Guilherme Piai, teria afastado servidores que denunciaram as irregularidades, arquivado processos internos e promovido auxiliares que elaboraram pareceres para suspender a apuração administrativa.

Interferência da Gestão Tarcísio de Freitas
Um dos testemunhos chave é o do ex-secretário-executivo Marcos Renato Böttcher, que relatou ter informado Tarcísio de Freitas pessoalmente sobre as irregularidades. Segundo Böttcher, o governador teria aconselhado a formalização de tudo e o encaminhamento aos órgãos de controle externo. Poucas semanas após o depoimento, Böttcher foi demitido.
O Governo paulista, em nota, afirmou que as demissões foram decisões técnicas e que Tarcísio determinou a imediata apuração das denúncias, negando tolerância com desvios.
Ações Judiciais e Programa Melhor Caminho
A investigação já resultou em nove ações judiciais contra oito empresas e dois servidores da Secretaria da Agricultura por violações à Lei Anticorrupção. O ex-secretário Francisco Matturro também responde a um inquérito.
As obras sob suspeita integram o programa Melhor Caminho, iniciado em 2021 com Orçamento de cerca de R$ 400 milhões em 2022. O programa visava a conservação de estradas de terra, essenciais para o escoamento da produção agrícola estadual.

Aditivos e Conclusões da Apuração Interna
Sob a gestão de Francisco Matturro, foram autorizados aditivos de R$ 50 milhões às empreiteiras, com o argumento de reequilíbrio econômico-financeiro. Ao assumir em 2023, Tarcísio nomeou Antonio Junqueira para a Agricultura. Junqueira, após reclamações sobre a qualidade e atrasos nas obras, determinou uma apuração interna.
O levantamento, conduzido por José Carlos Pagliuca e Emílio Nicanor Galan Francês, concluiu que os aditivos foram concedidos em larga escala, sem análise individualizada, e que as justificativas eram frágeis. Obras inacabadas foram classificadas como concluídas.
Em depoimento ao MP-SP, Francês ironizou: “Foi a primeira vez que eu vi o rabo balançar o cavalo”, referindo-se à forma como os aditivos foram distribuídos.
Desconforto Político e Substituições
Junqueira levou o caso a Tarcísio, que orientou o envio da documentação aos órgãos de controle. A decisão gerou desconforto político, especialmente entre aliados do MDB. Posteriormente, Junqueira comunicou a Böttcher que seria substituído, alegando ter recebido uma ligação do governador.
Guilherme Piai assumiu a secretaria e, com Junqueira afastado, exonerou Pagliuca e Francês. Ao retornar, Junqueira pediu Demissão.

Parecer Posterior e Reintegração de Servidor
Na gestão de Piai, um novo parecer técnico validou os aditivos, e a secretaria informou ao MP-SP o arquivamento do caso. A comissão foi presidida por Hamilton Amorim, que foi promovido a secretário-executivo.
O secretário Piai também reintegrou Ricardo Lorenzini, chefe de gabinete na época dos pagamentos e apontado como responsável pela liberação dos recursos, à cúpula da pasta. Lorenzini, hoje subsecretário de gestão, teve bens bloqueados a pedido da Promotoria. Ele negou, em depoimento, que os aditivos tenham sido concedidos sem análise prévia.
Argumentos do Governo e Resposta do MP
O governo argumentou que a pandemia da Covid-19, a alta dos combustíveis e a Guerra da Ucrânia encareceram as obras em 2022. O MP-SP contrapôs que os dois primeiros fatores ocorreram antes da assinatura dos contratos e que a guerra não teve correlação comprovada com os reajustes.
A Secretaria da Agricultura afirmou que acompanha as investigações e colabora com as autoridades. O governo reiterou que toda suspeita de irregularidade é apurada com rigor e que as movimentações de servidores são decisões técnicas e administrativas.
O ex-secretário Matturro, por meio de seu advogado, defendeu que o reequilíbrio econômico-financeiro foi necessário devido aos impactos da pandemia e da guerra, pautado na lei e em análises técnicas.
Fonte: Folha de S.Paulo