A recente Vitória do presidente Javier Milei nas eleições legislativas da Argentina não deve ser interpretada como um endosso completo às suas políticas de governo. Segundo a análise do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV-IBRE, o país tem recebido um apoio financeiro significativo, superior a US$ 50 bilhões em seis meses, proveniente tanto do FMI quanto dos Estados Unidos, para sustentar seu sistema cambial atual. Tal cenário não indica, necessariamente, um funcionamento macroeconômico saudável.
Giambiagi, que acompanha atentamente a situação argentina, ressalta que a Vitória de Milei representou uma surpresa, especialmente após sua derrota nas eleições legislativas da província de Buenos Aires em setembro. Contudo, com a perspectiva retrospectiva, é possível observar que o eleitor argentino optou por uma situação complicada em detrimento de um risco de colapso total, especialmente nas eleições legislativas mais recentes.
Milei e a Rejeição ao Kirchnerismo
“Seria importante que Milei, com um gesto de humildade, compreendesse que esta Vitória não configura um endosso pleno”, pondera o analista. Giambiagi sugere que a eleição foi habilmente resolvida pelo governo, capitalizando na rejeição visceral do eleitorado ao kirchnerismo, associado ao caos econômico e à má gestão do ex-presidente Alberto Fernández. A percepção de falta de autoridade presidencial, com Fernández sendo visto como um líder fraco dominado por sua vice, Cristina Kirchner, foi um fator decisivo.
Um dos principais trunfos eleitorais de Milei, além de transmitir uma imagem de líder forte, foi a queda da inflação durante seu mandato. O índice recuou de mais de 200% ao ano sob Alberto Fernández para 32% acumulados nos 12 meses até setembro.
Desafios do Regime Cambial Argentino
No entanto, o regime de câmbio controlado, crucial para o controle inflacionário, tem mostrado sinais de esgotamento. A derrota de Milei na eleição provincial tensionou os mercados, e a inesperada ajuda direta dos Estados Unidos foi fundamental para evitar uma crise mais severa. Giambiagi aponta que, com a recuperação do peso e o ganho de governabilidade pós-eleição, seria o momento ideal para uma transição administrada para um regime de câmbio flutuante. Essa medida poderia evitar uma transição turbulenta, similar à que ocorreu no Brasil em 1999, quando o regime de câmbio fixo implodiu, apesar dos esforços governamentais.
“Considerando o receio natural gerado pelo histórico inflacionário da Argentina, o fato é que, em um contexto de dólar em queda, com apoio dos EUA e a oposição enfraquecida, as condições parecem ideais para a flutuação cambial”, argumenta Giambiagi.
Agenda de Reformas Estruturais
Em relação às reformas estruturais, o economista destaca que as agendas previdenciária, tributária e trabalhista estão em pauta na Argentina. Contudo, ele antecipa que Milei poderá precisar priorizar duas dessas três áreas, devido ao tempo limitado até as eleições presidenciais de 2027.
Fonte: Estadão