Manual de Sabotagem dos EUA: Lições Históricas para o Ambiente de Trabalho

Descubra o Manual de Sabotagem dos EUA de 1944: táticas históricas para minar a produtividade no trabalho e estratégias de guerra psicológica.
Manual de Sabotagem dos EUA — foto ilustrativa Manual de Sabotagem dos EUA — foto ilustrativa

Instruções detalhadas para minar a produtividade e o moral no ambiente de trabalho, originalmente elaboradas pelo serviço de inteligência dos Estados Unidos em janeiro de 1944, ressurgem como um estudo peculiar sobre táticas de guerra híbrida e sabotagem psicológica.

As táticas incluem ser simpático com trabalhadores ineficientes e promover Promoções imerecidas, enquanto se discrimina contra os eficientes, além de marcar reuniões em horários de pico de trabalho e multiplicar a burocracia desnecessária. Tais regras, embora pareçam satíricas, foram compiladas no “Simple Sabotage Field Manual” (Manual de Sabotagem Simples de Campo), um documento de 32 páginas do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS), antecessor da CIA.

O manual foi distribuído a agentes durante a Segunda Guerra Mundial com o objetivo de treinar cidadãos em países ocupados pelos nazistas para atuarem de forma contraproducente em empresas alinhadas ao Eixo, enfraquecendo o esforço de guerra inimigo.

Guerra Híbrida e Táticas Não Convencionais

Para o cientista político Leonardo Bandarra, pesquisador no Instituto de Estudos de Desenvolvimento e Paz da Universidade de Duisburg-Essen, o manual exemplifica estratégias de guerra híbrida. “Isso significa misturar métodos militares e não militares, com informação, atividades psicológicas”, explica Bandarra, ressaltando que essas Táticas não são novas e datam da antiguidade.

A guerra híbrida, segundo ele, incorpora táticas terroristas e de guerrilha, ataques cibernéticos, campanhas de desinformação e busca tornar ambíguas as fronteiras entre guerra e paz, o convencional e o não convencional.

O historiador Victor Missiato, do Instituto Mackenzie, acrescenta que a complexidade global da Segunda Guerra Mundial exigiu o aprimoramento de diversas táticas, incluindo espionagem e sabotagem. Hugo Tisaka, especialista em segurança e fundador da NSA Global, caracteriza a ação americana como “guerra psicológica”, uma estratégia historicamente utilizada em conflitos.

O Sabotador: Cidadão Comum e Táticas de Sabotagem Simples

O documento é dividido em cinco partes, detalhando efeitos, motivação, ferramentas, alvos e sugestões específicas para sabotagem simples. As instruções miram atos que o cidadão comum pode praticar, utilizando recursos do cotidiano.

O manual descreve como o Arsenal do sabotador pode consistir em objetos simples como sal, pregos, velas e pedrinhas, encontrados em casa. “Seu arsenal é a prateleira da cozinha, a pilha de lixo e seu kit habitual de ferramentas e suprimentos”, aponta o documento. Os alvos são objetos de acesso comum e discreto na vida cotidiana.

Um segundo tipo de sabotagem descrita não requer ferramentas destrutivas, mas se baseia em “oportunidades universais para tomar decisões erradas, adotar uma atitude não cooperativa e induzir outros a seguirem o exemplo”. Isso inclui colocar ferramentas no lugar errado, criar situações desagradáveis no trabalho ou demonstrar mau humor.

Para motivar o sabotador, sugere-se convencê-lo de que está agindo em legítima Defesa ou retaliando o inimigo. É crucial demonstrar que seus esforços fazem parte de um projeto maior, mesmo que invisível, de sabotadores operando contra o inimigo.

Orientações Específicas para o Ambiente de Trabalho

A última seção do manual foca em ações direcionadas ao ambiente de trabalho, com sugestões que incluem levantar questões irrelevantes frequentemente, redirecionar assuntos a comitês para estudo, fazer discursos longos, contar anedotas pessoais e reabrir discussões já decididas.

Outras táticas envolvem exigir ordens por escrito, interpretar mal ordens e fazer perguntas intermináveis, atribuir tarefas menos importantes primeiro e dar instruções incompletas ou enganosas ao treinar novos funcionários. O documento também incentiva a provocação de incêndios em instalações, ensinando métodos para ocultar a autoria e sugerindo que uma fábrica suja é mais suscetível ao fogo.

Instruções detalhadas incluem obstruir vasos sanitários com papel, madeira ou grampos de cabelo, cegar ferramentas de corte e danificar máquinas adulterando o óleo lubrificante ou o sistema de filtragem. Sugestões para diluir gasolina com água ou urina, danificar pneus de veículos e transferir ligações telefônicas para ramais errados também estão presentes.

O manual também aborda a interferência em transmissões de rádio e a interrupção da eficiência dos correios, demonstrando como as estratégias de guerra podiam penetrar no cotidiano das pessoas.

A parte final enfatiza ações de empregados em geral: trabalhar lentamente, criar interrupções, passar tempo extra no banheiro, esquecer ferramentas intencionalmente e fingir dificuldade em entender instruções para pedir repetições.

A sugestão é agir de forma estúpida, ser irritadiço e briguento sem consequências graves, e dar explicações longas e incompreensíveis quando questionado.

Anticoach e Auto-sabotagem Empresarial

As orientações do manual são o oposto das recomendações de boas práticas empresariais atuais. Rafael Catolé, autor de “O Poder da Gestão”, compara seu livro como a antítese desse manual, criticando a burocratização, a falta de acesso aos tomadores de decisão e o foco no que não traz resultado.

Catolé observa que muitas empresas acabam praticando condutas ineficientes que se assemelham às táticas de sabotagem do manual. Exemplos incluem reuniões improdutivas e a importação de ferramentas administrativas que, em vez de otimizar, emperram a criatividade e a espontaneidade dos funcionários.

O cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da FESPSP, critica o excesso de intervenção administrativa que pode prejudicar a criatividade e a espontaneidade produtivas, levando a uma forma de auto-sabotagem nas empresas. Ele aponta que o “excesso de zelo” e a “hiperresponsabilidade” em processos podem, paradoxalmente, atrapalhar o avanço das instituições burocráticas e produtivas.

Fonte: Folha de S.Paulo

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