O Instituto Iter, fundado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, acumulou uma Receita de pelo menos R$ 4,8 milhões em pouco mais de um ano de atuação. A maior parte dessa quantia advém de contratos firmados com instituições públicas entre maio de 2024 e outubro deste ano.
O ministro é a figura central nas campanhas publicitárias do instituto, atuando como sua principal atração. O prestígio de seu nome é um fator determinante para a aquisição de muitos contratos. Mendonça afirma que o Iter, além de oferecer cursos, serve como um espaço neutro para discussões com autoridades, livre das “influências” de Brasília.
Criação e Estrutura Societária do Instituto Iter
O Iter foi estabelecido como uma sociedade limitada (Ltda.) em novembro de 2023, período em que Mendonça já compunha o STF. As operações comerciais iniciaram-se no início de 2024, e ainda no mesmo ano, a empresa evoluiu para uma Sociedade Anônima (S.A.) de capital fechado.
Em comunicado oficial, o ministro declarou que sua participação no instituto é “exclusivamente educacional” e está em conformidade com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). O ministro considera suas atividades docentes e acadêmicas compatíveis com suas funções no Supremo.
De acordo com registros comerciais, a esposa do ministro, Janey Mendonça, foi a sócia administradora do Iter em sua fundação. Em 2024, com a transformação em S.A., ela deixou essa posição, sendo substituída por Victor Godoy, ex-ministro da Educação no Governo Bolsonaro e atual CEO do Iter.
Os registros atuais indicam que a empresa Integre é a acionista majoritária do Iter, embora não exerça funções de gestão. O casal Mendonça detém a propriedade da Integre, sendo, portanto, os sócios majoritários do Iter.
Outros sócios incluem ex-colaboradores do governo Jair Bolsonaro: Danilo Dupas (ex-presidente do Inep), Rodrigo Hauer (chefe de gabinete de Mendonça no STF), Tercio Tokano (ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça) e Victor Godoy.
O Iter confirmou que a Integre atuou como sócia-administradora até a transição para Sociedade Anônima.
Palestras e Contratos Públicos
As palestras ministradas por Mendonça em workshops sobre “a arte e a ciência da oratória jurídica”, “o prefeito do século XXI”, “o direito da construção e infraestrutura” e “o domínio dos recursos extraordinários” representam mais de um terço dos 50 contratos públicos do Iter, somando R$ 4,8 milhões. Contratos com empresas privadas não são divulgados publicamente.
Entre os contratantes públicos estão governos estaduais (São Paulo, Bahia, Piauí), prefeituras (São Paulo, Recife), a Assembleia Legislativa do Paraná e Tribunais de Contas (Goiás, Piauí, Rio de Janeiro, Pernambuco, Amapá, Ceará).
O Consórcio Intermunicipal da Região Oeste Metropolitana de São Paulo firmou o maior contrato, de R$ 1,2 milhão, para capacitação de seus funcionários em direito e administração pública.
Além de Mendonça, o Iter conta com outros professores, como o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Antonio Anastasia, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, e o ex-ministro da Educação Victor Godoy.
Em suas aulas, Mendonça descreve o Iter como a realização de um sonho de disseminar conhecimento para aprimorar a governança e a relação público-privado, que deveriam ser cooperativas.
Questões Legais e Éticas
A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) proíbe juízes de exercerem atividades comerciais, exceto como acionistas. A atuação de Mendonça como administrador no Iter poderia configurar uma violação direta da Loman, com questionamentos sendo analisados pelo próprio STF.
Especialistas apontam que a proximidade com o Judiciário é um fator de atração para que agentes públicos e privados invistam em cursos que ofereçam acesso e conhecimento.
O professor de direito constitucional da USP, Conrado Hübner, considera a atuação de Mendonça um conflito de interesses, potencialmente em atrito com a Loman. Ele compara a situação com a de outros ministros que mantêm empresas educacionais, como Gilmar Mendes e seu filho no IDP.
O Iter afirma que suas informações comerciais são privadas e confidenciais, mas garante atuação regular, dentro dos parâmetros de mercado e em conformidade fiscal e jurídica.
Convênio com a Câmara Municipal de São Paulo
A participação proeminente do ministro é evidenciada em contratos, como um convênio com a Câmara Municipal de São Paulo para oferecer descontos em cursos aos servidores. Embora a Câmara não desembolse recursos, compromete-se a divulgar a oferta.
O documento foi assinado pelo CEO Victor Godoy, com Mendonça como testemunha. A autenticidade da rubrica do ministro foi confirmada pelo Iter.
Hübner classifica essas interações como um “exemplo escolar de violação de rituais elementares de imparcialidade”, onde conexões pessoais e empresariais podem gerar desconfiança sobre a imparcialidade das decisões.
Relatos anteriores já indicavam que ministros de tribunais superiores constituíram empresas educacionais para receber cachês. Mendonça recebeu R$ 50 mil por uma palestra em evento sobre direito eleitoral.
O Iter amplia seus rendimentos com cursos completos, como “a arte e a ciência da oratória jurídica”, com vagas custando R$ 16.154 por 24 horas. Comparado a outros cursos no mercado, os valores cobrados pelo Iter são considerados altos, justificados pela oportunidade de aprendizado com um ministro do STF e pela criação de vínculos.
Um curso de 8 horas sobre “o prefeito do século XXI”, com participação de Mendonça, inclui um jantar no escritório do Iter em São Paulo. O instituto descreveu o evento como “estritamente institucional”.
Em maio de 2024, o Iter mudou sua sede de Brasília para São Paulo, na Alameda Santos. Anteriormente, operava em um escritório compartilhado com a Integre em Brasília.
Iter como Espaço de Diálogo e Influência
Mendonça revelou que o Iter pode funcionar como mais do que uma escola, servindo para encontros entre políticos. Ele mencionou a intermediação de conversas entre os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, para discutir um projeto de lei sobre proficiência em medicina.
Segundo Mendonça, a iniciativa facilitou o avanço do projeto de lei, que teve sua tramitação aprovada em regime de urgência pela Câmara meses depois.
Ele destacou o propósito do instituto em sediar reuniões em um “espaço mais neutro, sem tantas influências”, facilitando o diálogo para encontrar soluções que atendam ao interesse público.
Fonte: Estadão