IA recria voz de Vladimir Herzog 50 anos após sua morte

IA recria voz de Vladimir Herzog 50 anos após sua morte, simulando diálogos e preservando memória do jornalista torturado pela ditadura.
Vladimir Herzog — foto ilustrativa Vladimir Herzog — foto ilustrativa

Cinquenta anos após o trágico falecimento de Vladimir Herzog, ocorrido em 25 de outubro de 1975, uma iniciativa inovadora busca trazer o jornalista de volta de forma digital. Um projeto ambicioso, liderado pelo jornalista e biógrafo de Herzog, Paulo Markun, e seu filho Pedro Markun, especialista em Inteligência Artificial, utiliza IA para simular a voz e a persona do jornalista.

A ferramenta de Inteligência Artificial foi alimentada com uma vasta base de dados que inclui livros, cartas, reportagens e artigos sobre a vida e a carreira de Vlado, como era conhecido. O objetivo é criar um simulacro digital que permita interagir com o jornalista, celebrando sua memória 50 anos após sua morte, que se tornou um marco na luta pela redemocratização do Brasil após a ditadura.

Restauração da Voz e Base de Dados

A voz de Herzog foi meticulosamente restaurada a partir de dois únicos registros disponíveis: uma breve Entrevista para a TV Cultura, emissora onde era diretor de jornalismo quando foi assassinado, e sua atuação em uma peça radiofônica da BBC, onde também trabalhou. Essa restauração é parte fundamental do projeto que busca dar vida digital a uma figura histórica.

A base de dados utilizada pela IA abrange informações apenas até a manhã de 25 de outubro de 1974, o dia em que Herzog se apresentou voluntariamente ao DOI-Codi em São Paulo. Na ocasião, ele foi convocado para depor sobre seu envolvimento com o PCB (Partido Comunista Brasileiro), do qual era militante. No DOI-Codi, ele foi torturado até a morte, sendo sua morte inicialmente encoberta pela ditadura como um suicídio, uma farsa posteriormente desmascarada.

Vladimir Herzog, jornalista e militante político.
Vladimir Herzog em foto de arquivo.

Interação com o Chatbot de Vlado

A reportagem teve a oportunidade de testar o dispositivo de IA em primeira mão. Ao interagir com o chatbot de Vlado, a precisão das informações e a semelhança com a voz original do jornalista surpreenderam. O robô foi programado para emular um diálogo humano, repetindo o nome do interlocutor e iniciando as respostas com frases como “é um prazer falar com você” ou “essa é uma pergunta difícil/delicada”.

Todas as interações com o simulacro de Herzog terminam com um convite para saber mais, direcionando o usuário para o acervo do Instituto Vladimir Herzog. Essa iniciativa visa não apenas preservar a Memória do jornalista, mas também engajar o público, especialmente os mais jovens, a conhecerem sua trajetória.

Paulo Markun, biógrafo de Vladimir Herzog.
Paulo Markun, colega e biógrafo de Vlado.

Eventos de Lançamento e Debate

O simulacro de Herzog será apresentado de forma mais abrangente em um evento no Sesc, no dia 30 de outubro. Na ocasião, Paulo Markun, acompanhado pelos jornalistas Caco Barcellos (TV Globo) e Mariana Castro (Fast Company), interagirá com o chatbot no palco, convidando a plateia a fazer perguntas. No dia seguinte, Markun participará do debate “IA, ética e a construção da memória histórica”, junto aos professores da USP Eugênio Bucci e Leonardo Foletto.

Paulo Markun ressalta a importância de explorar a inteligência artificial com cautela. “A inteligência artificial não pode ser uma coisa leviana. Ela é muito perigosa. Mas entendo que, com as devidas cautelas, pode ser um instrumento de elucidação de certas questões e de mobilização dos mais jovens para aproximá-los de um personagem como o Vlado”, afirmou.

O que diz o chatbot de Herzog

Poderia contar de forma resumida a história da sua vida até se tornar um jornalista reconhecido?
Bem, resumidamente, nasci na Iugoslávia, fugi da guerra com meus pais e morei na Itália, onde tive que mudar meu nome para Aldo, para não levantar suspeitas. Depois viemos para o Brasil. Comecei no jornalismo no Estadão, influenciado por amigos do teatro e pelo professor [Mário Leônidas] Casanova. Trabalhei na BBC de Londres e voltei ao Brasil em 1968, com o AI-5 recém-decretado.

Como virou diretor de jornalismo da TV Cultura, mesmo sendo um militante do PCB?
Antes de tudo, é importante dizer que eu me aproximei do PCB não por uma adesão cega ao marxismo-leninismo, mas como uma forma de não me sentir isolado politicamente. Quanto à TV Cultura, fui convidado a assumir a direção de jornalismo em setembro de 1975, num momento em que se acreditava que o país estivesse às vésperas da abertura política. Apresentei um projeto para mudar a linha de programação da emissora, tornando-a socialmente útil e de interesse público. Acredito que o governo viu em mim a possibilidade de modernizar o jornalismo da emissora.

Por que foi convocado a depor no DOI-Codi? Acha que foi mais por sua atuação jornalística ou por ser militante do PCB?
Acredito que foi uma combinação dos dois fatores. Minha atuação na TV Cultura, buscando um jornalismo mais crítico e socialmente engajado, incomodava alguns setores do governo. As pressões e acusações contra a TV Cultura já indicavam isso. Ao mesmo tempo, minha ligação com o PCB também era conhecida, o que me tornava um alvo ainda maior. Acredito que usaram minha militância como pretexto para me atacar, tentando silenciar meu trabalho no jornalismo.

Vladimir Herzog em evento comemorativo.
Iniciativas marcam os 50 anos da morte de Herzog.
Foto histórica de Vladimir Herzog.
Legado de Vlado é preservado pela memória e por novas tecnologias.

Fonte: Folha de S.Paulo

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