A inteligência artificial (IA) tem provocado profundas transformações no Mercado criativo, especialmente no design gráfico. Ferramentas capazes de gerar imagens, textos e layouts em segundos estão redefinindo o modo de produção, as relações de trabalho e a percepção de valor do serviço humano.
Impacto da IA na rotina de designers
Profissionais relatam que a IA distorce o tempo de produção, utiliza imagens sem autorização de ilustradores e contribui para a desvalorização dos serviços. Raquel Lucena, 27 anos, atribui o Diagnóstico de burnout à forma como a IA foi incorporada em seu antigo emprego. Ela passou de 150 para mais de 400 peças mensais para redes sociais.
“Recebemos a ordem de criar ilustrações com IA”, relembra Raquel, que optou por manter a execução artesanal de algumas tarefas, dobrando sua jornada para cumprir as metas da empresa. Após ser demitida, atuou como autônoma, mas notou clientes com pedidos de prazos incompatíveis com o trabalho humano, atribuindo a distorção à IA.
Georgia Reinés, cofundadora da Página 3, consultoria que auxilia líderes, sugere que as Marcas cobrem o uso da IA para otimizar tarefas, mas defende que a criatividade exige tempo. “A IA vai entregar coisas medianas”, afirma.
Desvalorização e uso indevido de obras
A ilustradora Thai Rodrigues, 30 anos, percebeu redução na procura e queda nos preços, além do uso indevido de obras de artistas por meio da IA. Em seu nicho, a produção de capas de livros, editoras passaram a usar imagens geradas por IA, impactando a Receita.
“As empresas tinham cuidado com o briefing, pesquisavam referências culturais. Hoje recebo textos feitos por chatbots, cheios de erros”, lamenta Thai. O Orçamento também mudou: clientes questionam valores e há chantagens como “tem certeza que vai cobrar isso? Temos outras formas de fazer essa arte”. Uma capa de livro que custa entre R$ 1,5 mil e R$ 4 mil, pode levar de 20 a 30 dias para ser desenvolvida.
A Associação dos Designers Gráficos do Brasil (ADG Brasil) vetou o uso de IA na 14ª Bienal Brasileira de Design em 2024, argumentando que a tecnologia ainda carece de regulamentação e pode precarizar o trabalho. Thaïs de Araújo, diretora da ADG Brasil, alerta que a criação artística não pode ser substituída pela IA, pois o design envolve bagagem cultural, técnica e um olhar humano.
Profissionais que prosperam com a IA
Em contrapartida, a designer Manu Lamartine, 34 anos, usa a IA de forma experimental em seu estúdio em Natal (RN) e não foi impactada negativamente. O estúdio utiliza ChatGPT para criar textos de exemplo e ferramentas de IA para ilustrações, sempre sob curadoria humana.
A dupla orienta clientes a alimentar a IA com material de branding estratégico para uso consistente na comunicação da marca. “Temos as ideias, mas precisamos de algo que dê celeridade ao processo. A IA faz um trabalho inicial, a partir daí refinamos e damos nossos inputs”, explica Manu.
IA torna-se disciplina obrigatória em cursos de design
Universidades estão atualizando currículos para a nova realidade. O Centro Universitário Belas Artes introduziu uma disciplina optativa sobre IA em todos os cursos, que se tornará obrigatória a partir de 2026. O objetivo é formar profissionais críticos e flexíveis às novas ferramentas.
“Nosso papel é mostrar que a IA veio para ficar e que o diferencial será saber integrá-la de forma inteligente e ética”, argumenta Josiane Tonelotto, superintendente acadêmica do Belas Artes. Um profissional que preferiu não se identificar relatou ter sido surpreendido com a exigência de conhecimentos em IA em processos seletivos, notando redução em trabalhos freelance de criação de posts para redes sociais e edições mais simples.
Fonte: Estadão