A confiança no sistema financeiro brasileiro está sob ataque. Redes sociais e aplicativos de mensagens como o WhatsApp disseminam boatos criados por influenciadores e políticos, semeando pânico sobre a solidez de bancos como o Banco do Brasil e sobre o Drex, a futura moeda digital do Banco Central. Essas narrativas falsas, muitas vezes promovidas por perfis com milhões de seguidores, levantam preocupações sobre a instabilidade do sistema e o risco de uma corrida bancária.
Desinformação e ataques a instituições
Boatos recentes, como a alegação de que o Banco do Brasil estaria em risco, viralizaram em agosto, mas não são casos isolados. Especialistas alertam que a disseminação de desinformação pode gerar insegurança, mesmo com a solidez atual do sistema bancário brasileiro. Ricardo Rocha, professor do Insper, ressalta que “Boatos podem quebrar um banco”, embora os bancos no Brasil sejam “super capitalizados” e não enfrentem uma crise. A credibilidade do sistema e de novas ferramentas como o Drex está em jogo.
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A força desses ataques ganhou destaque após declarações de políticos como os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO). As informações falsas foram rapidamente amplificadas por influenciadores digitais, muitos dos quais vendem cursos de Finanças e consultorias. Um exemplo é Lauro Marques, com 211 mil seguidores, que postou em julho um vídeo afirmando, sem provas, que a poupança dos brasileiros está em risco e que o governo iria “fazer um rapa” nas economias, aconselhando a guardar dinheiro em casa.
Em resposta às alegações, Lauro Marques declarou ao Estadão que o país enfrenta uma “crise institucional incrível” e que o cidadão precisa preservar o que tem, citando a Lei Magnitsky como um fator de risco para o Brasil. A Lei Magnitsky permite sanções americanas contra acusados de corrupção e violações de direitos humanos, e foi mencionada em relação ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. A alegação falsa era de que, por o Banco do Brasil ter oferecido um cartão ao ministro, o banco estaria em risco de ser cortado de relações internacionais, o que poderia levar à sua falência.
O deputado Gustavo Gayer também publicou um vídeo afirmando que o Banco do Brasil, Bradesco e a Caixa Econômica Federal corriam risco. Procurados, Bradesco e Caixa não comentaram. O Banco do Brasil emitiu nota informando que acompanha publicações inverídicas e maliciosas com o objetivo de gerar pânico e que tomará medidas legais para proteger sua reputação. O banco também enviou um ofício à Advocacia-Geral da União (AGU) alegando difusão de notícias falsas por Eduardo Bolsonaro, o que levou a AGU a apresentar notícia-crime à Polícia Federal.
O Drex sob ataque e o legado do Pix
A desinformação não poupa o Drex. O influenciador Marcos Trombetta, com 148 mil seguidores, alertou em um vídeo que o Drex aprisionaria financeiramente os brasileiros, tornando o dinheiro “100% rastreável” e permitindo que autoridades tivessem “total controle sobre onde você gasta, como você gasta, quanto você ganha e a hora em que eles puderem tirar de sua conta bancária”. Trombetta, que se apresenta como professor e mentor, vende cursos sobre como construir uma “nova realidade usando o poder” da mente e livros sobre Finanças.
O Drex, desenvolvido pelo Banco Central desde 2020, é a versão digital do real. Ele não substituirá o dinheiro em espécie, mas oferecerá uma opção adicional para transações, com foco inicial em grandes operações financeiras, proporcionando mais segurança. Cerca de 130 países exploram projetos semelhantes. No entanto, o agrônomo Vanderlei Campos Jr., com 1,2 milhão de seguidores, propagou um vídeo falso afirmando que o Drex limitaria o uso de benefícios sociais a estabelecimentos próximos à residência do beneficiado, algo que não faz parte do projeto. Ele retirou o vídeo do ar após ser procurado.
O Pix, lançado em 2020, também já foi alvo de ataques. Em janeiro, o deputado Nikolas Ferreira publicou um vídeo sobre a taxação do Pix e o monitoramento de transações acima de R$ 5 mil, o que, segundo ele, prejudicaria trabalhadores informais. A repercussão levou o governo a recuar em medidas de aumento da fiscalização. Amarildo Filho, candidato a deputado estadual em Goiás, também afirmou em um vídeo visto por mais de 300 mil pessoas que o Drex era mais assustador que o acesso da Receita Federal às informações do Pix, e que o real digital acabaria com o dinheiro em espécie.
A discussão sobre o PL 4068 de 2020, que propõe o fim do dinheiro em espécie em cinco anos, também foi distorcida. O projeto, parado desde 2023, visava reduzir a informalidade, corrupção e lavagem de dinheiro, mas a narrativa disseminada falava em prisão para quem portasse mais de R$ 1.500 em espécie. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (FIn) está à frente do assunto, mas não quis comentar a onda de desinformação.
Fonte: Estadão