Termos como quiet quitting, grande renúncia, gig economy e resenteísmo ganharam destaque no ambiente corporativo. Essas expressões, embora descrevam fenômenos distintos, convergem para uma insatisfação generalizada com o modelo de trabalho tradicional e impulsionam a busca por novos significados e formas de relacionamento com as empresas. É um despertar gradual para uma realidade mais ampla.
Essa reflexão nos leva a questionar se estamos, finalmente, saindo da caverna de Platão, como sugerido na metáfora filosófica. Gareth Morgan, em sua obra “Imagens da Organização”, introduz o conceito de “prisões psíquicas”: padrões mentais que limitam nossa percepção do mundo organizacional. Similar aos prisioneiros de Platão, muitas vezes tomamos ilusões por verdades, naturalizando modelos de trabalho que já não se adequam às complexidades contemporâneas.
Entretanto, há claros indícios de que esse conformismo está sendo desafiado. Novos movimentos, discursos emergentes e demandas crescentes sinalizam um impulso coletivo por transformação. Ao contemplarmos o futuro do trabalho, surge um desafio crucial: a indefinição do papel humano em meio a tantas mudanças tecnológicas.
Inteligência Artificial e Requalificação no Futuro do Trabalho
Dados do Fórum Econômico Mundial revelam um cenário impactante para 2030: de cada 100 trabalhadores, 41 não necessitarão de requalificação, 29 serão treinados na função atual, 19 mudarão de cargo após requalificação e 11 ficarão sem o treinamento necessário. Essa parcela de 11% levanta uma questão fundamental: quem será responsável por essas pessoas? O Governo, as empresas, a sociedade?
A ideia de implementar uma renda básica universal pode parecer uma solução tentadora e, até certo ponto, necessária. No entanto, essa abordagem isolada ignora a dimensão simbólica do trabalho, que vai além da simples fonte de renda. O trabalho molda a identidade, o sentimento de pertencimento e o propósito individual. Um exemplo claro disso é a crise emocional que alguns indivíduos enfrentam após aposentadorias financeiramente seguras, por não encontrarem mais seu lugar na sociedade.
Inteligência Híbrida e a Reinvenção das Relações Profissionais
A discussão sobre Inteligência Artificial (IA) geralmente se concentra em dois eixos: a automação, onde a máquina substitui o humano, e a augmentation, onde a máquina amplia as capacidades humanas. Contudo, uma terceira via, a da inteligência híbrida, demonstra grande potencial. Essa perspectiva não se baseia em Substituição ou dominação, mas na reinvenção de princípios que regem nossas relações, estruturas e modelos organizacionais.
O desafio reside em reconstruir o que significa trabalhar, liderar, colaborar e pertencer. Isso exige o abandono de visões binárias que ainda dominam muitos debates atuais. Em tempos onde expressar uma opinião muitas vezes é visto como tomar partido, o futuro do trabalho e da sociedade demanda ambivalência, nuance e diálogo. Acima de tudo, requer responsabilidade compartilhada.
Repensar as relações de trabalho transcende a mera necessidade estratégica para a competitividade empresarial. É uma urgência ética e social, pois o que está em jogo é o modelo de sociedade que estamos construindo. O futuro do trabalho pode não residir na substituição do humano pela máquina ou no controle absoluto da tecnologia, mas na nossa capacidade de criar algo novo, que ainda não tem nome, mas já pulsa como possibilidade.
A Coragem de Encarar o Futuro do Trabalho
Para que isso aconteça, será necessária coragem. A mesma coragem que impulsiona a sair da caverna, encarar a luz direta e começar a enxergar o mundo e o trabalho sob novas lentes. A reflexão sobre o futuro das relações de trabalho é um convite à introspecção e à ação consciente para moldar um amanhã mais humano e sustentável.
A opinião expressa por Eliza Albuquerque, aluna do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP e Executiva de Recursos Humanos, destaca a importância de abordagens inovadoras para as dinâmicas profissionais.
Fonte: Estadão