O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) suspendeu um acordo bilionário que prevê o pagamento de pelo menos R$ 900 milhões à empresa Águas do Rio. O valor seria destinado a compensar a concessionária por supostos erros no edital de licitação da Cedae, um problema para o qual nenhuma autoridade assumiu responsabilidade até o momento. O acordo original previa que a quantia seria paga pela Cedae, através de descontos na conta de água da concessionária, mas agora o custo pode ser repassado aos consumidores.
A decisão, assinada pelo conselheiro José Gomes Graciosa, proíbe o estado e a Cedae de aplicarem qualquer desconto até que o caso seja avaliado pelo plenário do TCE. A medida atende a um pedido dos deputados Estaduais Luiz Paulo (PSD) e Jari Oliveira (PSB). Graciosa ressaltou que quaisquer questionamentos sobre as condições contratuais deveriam ter sido feitos durante o processo de licitação, e não após a sua conclusão.
Esclarecimentos e Investigação
O conselheiro determinou um prazo de 15 dias para que o governador Cláudio Castro, o presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa) e os dirigentes da Águas do Rio apresentem esclarecimentos detalhados sobre o acordo. Além disso, será enviado um ofício ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela elaboração do edital, solicitando a cópia integral do processo de concessão. O TCE também pediu ao Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) que investigue possível coação de diretores da Cedae e conflito de interesses, visto que parte da equipe da Águas do Rio seria composta por ex-dirigentes da estatal.
A controvérsia teve origem na publicação do edital de concessão da Cedae há cinco anos. A Águas do Rio alega que, em 21 das 27 cidades onde opera, encontrou discrepâncias significativas entre os índices de cobertura de esgoto informados no edital e a realidade apurada pela empresa após o leilão em maio de 2021. O contrato estipula que o poder concedente é responsável se essa diferença ultrapassar 18,5%, o que a concessionária afirma ter ocorrido. Para arrematar dois dos quatro blocos da Cedae, a empresa ofereceu R$ 15,4 bilhões ao estado e às prefeituras.

Dados do Snis em Disputa
Exemplos como o de Magé, onde se esperava 40% de cobertura de esgoto mas não havia coleta, ou Nilópolis, Belford Roxo (de 39% para 8%) e Duque de Caxias (de 43% para 10%), ilustram as divergências apontadas pela Águas do Rio. O edital de concessão, que continha esses percentuais, foi elaborado pelo BNDES com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades. O BNDES declarou que os dados foram analisados em conjunto com informações da própria Cedae.
O Ministério das Cidades, por sua vez, informou que os dados do Snis são de responsabilidade do titular ou prestador de serviços de saneamento. Desde este ano, agências reguladoras passam a validar em tempo real os dados fornecidos pelos regulados para aumentar a confiabilidade. Em contrapartida, a Cedae, em documento de setembro, atribuiu as diferenças à “natureza autodeclaratória” do Snis, indicando possíveis “inconsistências ou lacunas” preenchidas pela estatal e pelas prefeituras.
A Águas do Rio, por sua vez, argumenta que as vistorias técnicas pré-leilão não permitiram a avaliação de redes subterrâneas, o que demandaria um trabalho minucioso em larga escala. As divergências foram constatadas após a empresa assumir o serviço, dentro do prazo de 24 meses previsto em contrato para o levantamento detalhado. Prefeituras como a de Belford Roxo culpam a “gestão anterior” pelo fornecimento de dados ao Snis. Caxias alega não ter controle sobre a rede, atribuindo a responsabilidade à Cedae. Nilópolis menciona que há rede de esgoto, mas a coleta e tratamento não são realizados no local. Magé não se pronunciou.
O acordo suspens��o, no valor de 24,3% de desconto na água até 2056, visava evitar o aumento das tarifas de dezembro. Com a Suspensão, a Águas do Rio alerta para o risco de aumento tarifário ainda este ano ou impacto nas obras de despoluição da Baía de Guanabara. O estado afirma que o acordo tem caráter liminar e pode ser revisto, com a Agenersa realizando vistorias para validar a metodologia da concessionária. A Cedae aguarda o fim da apuração para determinar se houve erro no fornecimento de dados.
Padrão de Dados e Responsabilidade
A advogada Ana Tereza Parente, consultora em Direito do Saneamento, explica que o Snis é uma referência nacional e que seus dados, mesmo autodeclaratórios, são amplamente utilizados em análises econômico-financeiras, como ocorreu no Rio. Historicamente, os municípios detêm a responsabilidade sobre o saneamento e fornecem dados à Cedae. Parente ressalta que variações nos dados são esperadas e que contratos incluem margens de diferença, mas a variação no caso da Águas do Rio foi “muito grande”. Ela aponta responsabilidade compartilhada entre Cedae e municípios na declaração das informações ao Snis.
Fonte: InfoMoney