As emendas de comissão, concebidas para apoiar políticas públicas nacionais em áreas como saúde e Meio Ambiente, têm se distanciado de seu propósito original. Na Câmara dos Deputados, elas se tornaram uma importante ferramenta de barganha política. Com execução não obrigatória, essas emendas concentram R$ 11,5 bilhões dos R$ 50,3 bilhões autorizados para 2025. O repasse pulverizado para milhares de municípios e a Falta de identificação clara dos parlamentares responsáveis contrariam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou transparência total.
O Novo Orçamento Secreto
Especialistas e técnicos do Orçamento apontam que as emendas de comissão recriam a lógica do antigo orçamento secreto. Essa modalidade mantém a distribuição centralizada, concentrando poder no comando da Câmara e em comissões estratégicas. A falta de transparência dificulta o rastreamento dos direcionadores do dinheiro público. A Câmara dos Deputados e o deputado Zé Vitor (PL-MG), presidente da Comissão de Saúde, não comentaram o assunto.
Concentração de Poder nas Comissões
O poder sobre as emendas de comissão emana do funcionamento interno da Câmara. O presidente da Casa indica os líderes das comissões permanentes, responsáveis por propor essas emendas. O presidente de cada comissão decide quais programas e municípios serão contemplados, tornando esses cargos cobiçados. Conforme Humberto Nunes Alencar, pesquisador do IDP, o processo se torna cada vez mais individualizado, com o presidente da Câmara ampliando seu poder de negociação.
Bruno Bondarovsky, da PUC-Rio, da plataforma Central das Emendas, explica que a não obrigatoriedade de pagamento dessas verbas amplia o poder de barganha do comando da Câmara. Parlamentares fiéis são contemplados com a liberação de recursos, enquanto opositores têm o dinheiro represado, reforçando o controle discricionário.
Distribuição Orçamentária e Impacto Político
A concentração orçamentária em poucas comissões é notória. Em 2025, as comissões de Saúde, Urbanismo, Comércio e Serviços, Desporto e Agricultura somam cerca de R$ 7,6 bilhões, enquanto outras, como a de Meio Ambiente, permanecem esvaziadas. Esse modelo, herdado do fim das emendas de relator-geral, permitia sigilo e uso político de verbas públicas. O STF declarou a prática inconstitucional em 2022 por violar a transparência.
Em 2024, o ministro Flávio Dino determinou o bloqueio dessas emendas para adoção de regras de transparência e rastreabilidade, mas as brechas de opacidade persistem. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirma que as exigências de transparência são descumpridas, com o critério político prevalecendo sobre a objetividade. “Não melhorou nada. A obrigação objetiva agora é fingir que dão transparência, mas não dão”, declarou.
O Estadão identificou emendas na Comissão de Saúde sem identificação nominal do parlamentar responsável, aparecendo apenas como “Liderança”, em desacordo com a determinação do STF. A pulverização dos recursos em quase três mil municípios em 2025, com repasses médios de R$ 1,78 milhão por emenda, facilita a barganha política. A maior parte foi destinada a custeio (59,9%) em vez de investimentos (40,1%).
Especialistas avaliam que esse padrão de distribuição, com recursos voltados a alianças locais, reproduz a lógica das emendas individuais. “No Brasil, as emendas coletivas praticamente não existem. O que há são arranjos informais: em uma comissão, quem decide é o presidente da comissão; e, no fim, é o presidente da Câmara quem define o destino das emendas de comissão”, conclui Humberto Nunes Alencar.
Fonte: Estadão