A educação no Brasil, tema de crucial importância para o desenvolvimento social e a formação de cidadãos, muitas vezes não recebe a devida atenção dos governos. Em vez de um balanço otimista, a realidade aponta para caminhos não percorridos e potencialidades adormecidas, um eterno “poder-ser” que clama por concretização.
A concretização desse potencial educacional passa por uma aposta real e séria na educação como eixo primordial de atuação. Em 1929, María Zambrano já destacava que a essência de uma época reside não apenas nas respostas dadas, mas naquilo que se escolhe priorizar e debater. Para tanto, é fundamental a coragem de encarar a realidade com clareza, pois sem uma observação comprometida do mundo, a ação se torna inoperante.
O Cenário Atual da Educação Básica
O que se passa na educação brasileira? O diagnóstico, embasado em dados e evidências, revela um cenário de preocupante estagnação no desenvolvimento da educação básica, nosso maior e mais urgente desafio. Embora o Acesso tenha sido universalizado, essa conquista não se traduziu, na mesma proporção, em qualidade de aprendizagem.
Grande parte dos alunos concluem o ensino fundamental com lacunas significativas em língua portuguesa e matemática, comprometendo sua autonomia e o pleno exercício da cidadania, conforme preceitua o art. 205 da Constituição Federal.
No âmbito da primeira infância, a meta de ter metade das Crianças de 0 a 3 anos frequentando creches em 2024 ainda está longe de ser alcançada em qualquer região do país. Dificuldades na formação de profissionais, financiamento inadequado e a universalização de serviços de qualidade persistem como obstáculos.
Descumprimento das Metas do PNE
Esses números compõem um quadro mais amplo de descumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que se encerra este ano. A prorrogação de sua vigência, decorrente do atraso na aprovação do novo planejamento decenal, agrava a situação. Das 20 metas estabelecidas, apenas 4 foram cumpridas, parcial ou integralmente. Este índice é insuficiente para um país que almeja superar o atraso e escapar da armadilha da renda média.
A aderência ao PNE na aplicação dos recursos vinculados à educação, conforme o art. 10 da Lei nº 13.005/2014, é apenas o ponto de partida. Uma trajetória sinuosa de providências essenciais à política educacional ainda se impõe.
Uma Dívida Intergeracional com o Futuro
O retrato atual, com suas fragilidades embaraçosas para gestores, também aponta os desafios e oferece oportunidades para pensar soluções. Não as soluções fáceis para problemas complexos, mas aquelas que exigem coragem para sua implementação. Temos uma “dívida com o futuro”, um débito intergeracional que, se não quitado, condenará as futuras gerações à resignação diante da ignorância, desigualdade e retrocesso social.
A questão não se resume ao impasse entre investimento e gestão, embora ambos sejam cruciais. O Brasil investe apenas um terço do que a OCDE aplica por aluno, e a ineficiência na aplicação dos recursos existentes é um problema real. Para superar essas barreiras, é preciso olhar para as evidências de práticas bem-sucedidas em outras nações.
Estratégias para Superar Desafios
Primeiro, uma gestão educacional proativa e de proximidade, com secretarias de educação oferecendo suporte Técnico e pedagógico direto às escolas, acompanhando de perto os desafios e as soluções. Esse modelo fortalece o vínculo institucional e o alinhamento.
Segundo, um monitoramento contínuo da aprendizagem, por meio de sistemas consistentes de avaliação diagnóstica e formativa. Ciclos regulares de coleta e análise de dados permitem intervenções tempestivas para solucionar defasagens.
Terceiro, a formação continuada de alta qualidade e acompanhada. Ações formativas devem ser sistemáticas e articuladas com as necessidades identificadas nas avaliações. Redes de excelência cultivam uma cultura de valorização do desenvolvimento profissional contínuo, rompendo com modelos pontuais.
Quarto, uma cultura de observação de aulas com devolutivas construtivas. A observação sistemática e o feedback estruturado são instrumentos essenciais de desenvolvimento profissional, frequentemente negligenciados em redes com desempenho inferior, mas comuns nas de destaque.
Por fim, o uso de tecnologias para gestão e aprendizagem, incorporando plataformas para acompanhamento de desempenho, controle de frequência e análise de indicadores, além de ferramentas digitais de apoio ao ensino, especialmente em matemática e língua portuguesa.
Estas não são medidas milagrosas, mas práticas enraizadas, construídas a partir da escuta, do protagonismo local e de uma governança educacional comprometida. A cobrança por políticas baseadas em evidências busca cobrir a carência de modelos que transcendam limites territoriais e ideológicos.
A mudança requer, portanto, uma visão pragmática sobre o que implementar, focando em resultados comprovados, e uma perspectiva de longo prazo sobre como fazê-lo, transcendendo ciclos eleitorais e evitando descontinuidade administrativa.
Em meio a inovações constantes e uma avalanche de informações, onde a cultura da imagem rápida e do conteúdo descartável gera ruído, a educação reafirma seu papel fundamental. Este papel pode ser fortalecido por meio de estratégias bem-sucedidas, alicerçadas na gestão para resultados com foco na aprendizagem, gestão participativa e desenvolvimento profissional contínuo e sustentado.
Não deixemos que os juros caríssimos dessa dívida com o futuro se acumulem, tornando-a impagável.
Fonte: Estadão