O mundo rico enfrenta uma escalada preocupante da dívida pública, levantando sérias preocupações sobre um potencial surto inflacionário e a sustentabilidade fiscal. Em diversas nações desenvolvidas, as finanças públicas se encontram em estado crítico, com níveis de endividamento que superam 110% do PIB, patamar não visto desde o período pós-guerras napoleônicas.

Países como a França lutam para controlar suas contas, com propostas de adiamento de reformas previdenciárias para tentar restaurar a sanidade orçamentária. No Japão, a classe política cogita aumentos expressivos de gastos, mesmo diante de um endividamento já elevado. A Grã-Bretanha se vê compelida a elevar impostos para sanar um Déficit orçamentário considerável, após o abandono de reformas na previdência social. Nos Estados Unidos, o déficit fiscal expressivo, em torno de 6% do PIB, corre o risco de se aprofundar com propostas de novos cortes de impostos.
O Desafio do Equilíbrio Fiscal em Nações Desenvolvidas
Manter as finanças públicas sob controle em um cenário de pressões crescentes torna-se um desafio hercúleo. O aumento contínuo das contas de juros e os gastos crescentes com Defesa e previdência social, impulsionados pelo envelhecimento da população e demandas eleitorais, exercem uma pressão orçamentária significativa. Aumentos de impostos, por outro lado, enfrentam forte resistência política e social.
Na Europa, a carga tributária já é elevada, enquanto nos Estados Unidos, elevações fiscais são frequentemente vistas como um caminho para a derrota eleitoral. Historicamente, apenas o Canadá, a partir da década de 1990, conseguiu uma redução substancial da dívida pública através de cortes de gastos. Contudo, a atual conjuntura política e social torna improvável a repetição desse feito.
Inteligência Artificial e o Dilema da Dívida Pública
A expectativa de que o crescimento impulsionado pela inteligência artificial (IA) possa aliviar as escolhas orçamentárias difíceis se mostra, em grande parte, uma ilusão. Embora a IA prometa ganhos de produtividade, o aumento dos gastos com infraestrutura tecnológica e o crescimento da demanda por serviços básicos tendem a elevar as taxas de juros. Isso, por sua vez, encarece o serviço da dívida existente e pode neutralizar os benefícios fiscais de um crescimento econômico mais rápido.
O cenário sugere que governos podem recorrer à inflação e à repressão financeira como mecanismos para reduzir o valor real de suas dívidas elevadas, uma estratégia já observada nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial. A estrutura para tal abordagem já está sendo montada em bancos centrais, com potencial influência nos mercados de títulos. Figuras populistas já demonstram inclinação a enfraquecer a autonomia dessas instituições, minando defesas contra a inflação.
Riscos da Inflação e a Fragilização do Contrato Social
A inflação, embora impopular, não requer apoio político para se manifestar e pode surgir quando governos adotam políticas econômicas insustentáveis. Seus efeitos redistribuem a riqueza de forma arbitrária, prejudicando credores, poupadores e aqueles com contratos e salários fixos. Esse fenômeno, descrito por John Maynard Keynes como uma “reorganização arbitrária da riqueza”, pode agravar outras transferências de riqueza já em curso, como as decorrentes do avanço da IA no mercado de trabalho e da herança geracional.
Essa instabilidade nas fortunas pode fragilizar a classe média e desestabilizar o contrato social. A experiência de países como a Argentina demonstra como a inflação crônica pode transformar economias prósperas em nações de renda média em constante crise. O aviso, antes direcionado a mercados emergentes, agora se volta para as economias mais ricas do mundo.
O Caminho para a Estabilidade: Prudência ou Ruína?
A trajetória futura do mundo rico está em uma bifurcação. Uma opção é a prudência fiscal, que pode ser reintroduzida por governos que, diante da crise orçamentária, busquem a estabilidade e a solidez monetária, ecoando a ortodoxia de líderes como Ronald Reagan e Margaret Thatcher. A defesa da moeda sólida como pilar do pacto entre Estado e cidadão, e a credibilidade dos bancos centrais independentes, são fundamentais nesse cenário.
A alternativa, no entanto, é a ruína, com economias mergulhando no caos. Uma coalizão de poupadores e detentores de títulos se oporá à inflação, e o desenrolar dessa disputa entre mercados de títulos e políticos determinará o curso. Se o mundo emergir com dívidas menores e uma maior consciência sobre os perigos do endividamento excessivo, uma renovação será possível. Caso contrário, as principais economias globais podem enfrentar um futuro de instabilidade.
Fonte: Estadão