Apesar da ausência de uma interpretação legal autêntica e unificada para o termo “dignidade cultural” em legislações nacionais e internacionais, a doutrina ocidental dedica um volume expressivo de estudos ao conceito. Uma pesquisa realizada em setembro de 2025 na plataforma Academia.edu revelou 2.815 trabalhos em português, espanhol, italiano, francês e inglês que abordam a expressão, alguns datando do século XX.
A análise de obras pioneiras em cada idioma sugere que o significado de “dignidade cultural” é moldado pelo contexto de sua aplicação, com variações cognitivas notáveis.
Origens do Conceito em Diferentes Idiomas
A expressão “cultural dignity” apareceu em 1974, em inglês, na tese de Abdul Ghafur Muslim, referindo-se à dignidade cultural da população muçulmana sob o declínio do Império Mongol.
Em 1976, Pierre Bourdieu, em francês, utilizou “dignité culturelle” para argumentar que a Defesa desse valor contra as classes dominantes requer consciência política. Essa ideia ecoa em sua obra posterior, como “Economia das Trocas Simbólicas”.
Oswald Spengler, em 1978, empregou “dignità culturale” em italiano, associando-a à elevação cultural dentro do espectro político da direita.
Já em 1987, Antonio R. Bartolomé, referindo-se a uma obra de 1984, usou a expressão em espanhol para indicar uma hierarquia de respeitabilidade entre expressões artísticas, afirmando que “Para los intelectuales, cine y televisión no gozan de suficiente dignidad cultural”.
Etnomatemática e a Dignidade Cultural no Brasil
No Brasil, a etnomatemática, abordagem desenvolvida por Ubiratan d’Ambrósio nos anos 1980, reconhece e valoriza saberes matemáticos de diversas culturas. D’Ambrósio propõe que a matemática é uma construção cultural, não uma ciência universal neutra.
Lisete Bampi, aluna de d’Ambrósio, aprofundou o estudo do conceito em sua tese de doutorado em Educação. Ela destaca trechos da obra de d’Ambrósio onde a “dignidade cultural” é central. Um parágrafo ressalta os objetivos da Etnomatemática em proporcionar cidadania, superar a negação de culturas periféricas e construir uma civilização que rejeita a iniquidade, promovendo o “empowerment” dos setores excluídos e “oferecer ferramentas intelectuais para o exercício da cidadania” (D’Ambrósio, 1999, p.51).
Desafios Atuais e a Construção de um Manifesto
As preocupações doutrinárias com a “dignidade cultural” remontam a pelo menos meio século, mas mostram-se caóticas e multidirecionais, com o termo funcionando como um “coringa” retórico. Diante do ressurgimento de guerras e ataques à diversidade cultural, torna-se oportuno e necessário reiterar o convite para a construção consciente de um manifesto em favor da dignidade cultural.
Fonte: Estadão