A democracia no Brasil é amplamente apoiada, mas os cidadãos exigem mais do que apenas a observância das regras básicas. Um estudo revela que a população brasileira deseja que o regime democrático promova ativamente Justiça social, proteção de minorias e mecanismos de participação política, indo além do conceito de jogo “dentro das quatro linhas”.
Visão Ampliada de Democracia no Brasil
A pesquisa, realizada pelo Instituto Representação e Legitimidade Democrática (INCT Redem) com dados do Ipsos/Ipec, destaca que, embora a maioria apoie a democracia, uma parcela significativa da população (cerca de um a cada três brasileiros) não concorda com os princípios mínimos de um regime democrático. Essa dualidade aponta para uma desconfiança generalizada nas instituições e insatisfação com as condições de vida atuais.
Adriano Codato, cientista político e professor da UFPR, explica que o estudo inovou ao perguntar “O que é democracia para você?”, em vez de partir de um modelo pré-definido. A coleta envolveu 1.504 entrevistas presenciais em todo o país, com margem de erro de 2,5 pontos porcentuais.
Critérios Fundamentais e Multidimensionais
Os critérios de isonomia jurídica e a realização de eleições livres foram os mais consensuais, considerados indispensáveis por 78% dos entrevistados. Estes formam a base para classificar um cidadão como democrata em abstrato. No entanto, a pesquisa aprofundou-se ao cruzar esses dados com outros quesitos, revelando a visão multidimensional de muitos brasileiros.
Um total de 42,4% dos entrevistados adota uma visão “multidimensional” da democracia, que engloba:
- Dimensão Liberal: Estado de Direito, proteção a minorias, liberdades de expressão e imprensa.
- Dimensão Social: Redução de desigualdades, bem-estar social e políticas de inclusão.
- Dimensão Participativa: Mecanismos de participação direta, como consultas populares.
Ênfase Social e Desafios para a Democracia
A promoção de direitos sociais é um valor central para os brasileiros, evidenciado por um índice de 21,2% que considera este aspecto fundamental. Ednaldo Ribeiro, professor da UEM e UFPR, ressalta que essa ênfase social é particularmente acentuada no Brasil, especialmente em um contexto de profunda desigualdade.
Comparativamente, o Brasil apresenta um índice de não democratas (31,9%) significativamente maior que a média europeia (21,9%), ao mesmo tempo em que demonstra uma concepção mais complexa de democracia. Ribeiro alerta para o risco de “aventureiros” que prometem atender às demandas sociais sem compromisso com as regras democráticas, um cenário alimentado pelo descrédito das eleições nos últimos anos.
“Se o Estado não é eficiente, não entrega política social, política compensatória, mantém a inflação baixa e aumenta o salário mínimo, isso vai erodindo a legitimidade da democracia também”, pontua Codato. A falta de entrega concreta por parte do Estado pode minar o apoio normativo à democracia, abrindo espaço para projetos que desconsideram a legitimidade judicial e os pilares democráticos.
Fonte: Estadão