Cientistas políticos renomados debateram a atual conjuntura democrática brasileira no Encontro Anual da Anpocs. A análise geral aponta para um cenário de instabilidade na democracia brasileira, com crescente influência do Congresso e significativas divergências ideológicas entre o Legislativo e o Executivo.



A professora Silvana Krause, da UFRGS, destacou a fragmentação partidária e a instabilidade democrática, comparando o cenário brasileiro com o de países europeus como Alemanha e França. Ela observou a ausência de liderança nacional no “centrão raiz” e um momento favorável ao presidente Lula, apesar do desgaste causado pelo uso de emendas e da Falta de preferência partidária na maior parte da população.
Fragmentação Partidária e o Papel das Emendas
A crescente fragmentação partidária, um reflexo da instabilidade democrática, foi um dos pontos centrais da análise de Silvana Krause. Segundo ela, o uso de emendas parlamentares contribui para essa volatilidade, prejudicando a imagem dos partidos e do Congresso perante a sociedade. A falta de preferência partidária definida por grande parte dos brasileiros agrava o quadro.
O cenário político atual é marcado por eventos recentes que incluem a condenação de Jair Bolsonaro pelo STF, a interferência dos Estados Unidos em assuntos brasileiros e a relação tensa entre Lula e o Congresso Nacional, onde a base governista é minoritária. Esses fatores intensificam a percepção de instabilidade.
A professora Argelina Figueiredo, da Uerj, ressaltou a distância ideológica entre Lula e a maioria dos congressistas como um fator de instabilidade. No entanto, ela ponderou que o Orçamento impositivo não retirou totalmente o poder de controle do Executivo sobre o orçamento, e que o governo Lula tem obtido sucessos em medidas cruciais, mantendo características de um presidencialismo de coalizão, apesar dos choques com o Legislativo.

O Protagonismo e a Crise de Autoridade do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) emergiu como uma instituição decisiva, mas enfrenta uma erosão de autoridade, conforme analisado por Oscar Vilhena, da FGV. Ele argumenta que o protagonismo da corte, previsto na Constituição, não representa uma usurpação de poder, mas uma resposta à omissão de outras instituições, como a Procuradoria-Geral da República, gerando desconfiança social.
Vilhena propôs a transformação do STF em uma corte constitucional pura, excluindo a competência criminal e recursos associados, o que demandaria uma emenda constitucional difícil de aprovar. Ele sugere a autocontenção da corte, com mais decisões colegiadas, como uma alternativa mais viável.

Radicalização vs. Polarização e o Futuro da Democracia
Antonio Lavareda, do Ipespe, questionou a ideia de que uma polarização calcificada impede a plasticidade da opinião pública. Ele argumenta que eventos como o 8 de janeiro de 2023 e a trama golpista não foram frutos de polarização, mas de radicalização. Segundo Lavareda, uma polarização genuína explicaria melhor os riscos recentes à democracia.
A Anpocs, fundada em 1977, é uma entidade de destaque na pesquisa e divulgação acadêmica em ciências humanas, reunindo centros de pós-graduação e pesquisadores. O evento anual é crucial para o debate intelectual e a busca por soluções para problemas nacionais. Este ano, além do debate sobre democracia, o encontro abordará a guerra em Gaza e a coesão social.

Fonte: Folha de S.Paulo