Crimes da ditadura de Vargas: impunidade e memórias apagadas

Crimes e torturas do Estado Novo de Getúlio Vargas foram investigados, mas sem punição. Entenda o apagamento histórico e a memória seletiva.
crimes da ditadura de Getúlio Vargas — foto ilustrativa crimes da ditadura de Getúlio Vargas — foto ilustrativa

Apesar de Getúlio Vargas ser lembrado pelos avanços trabalhistas e pela modernização econômica do Brasil, seu regime, o Estado Novo, que se encerrou há 80 anos, foi também um período marcado por intensa repressão e tortura contra opositores. A ditadura varguista, iniciada em 1937 com um autogolpe, centralizou o poder, suspendeu o Congresso Nacional e cerceou liberdades individuais. O regime chegou a instituir a pena de morte, utilizando a luta contra o comunismo como justificativa para romper a institucionalidade democrática.

Investigações e Ausência de Punição

Os crimes cometidos durante o Estado Novo foram investigados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 1946 e, mais recentemente, pela Comissão Nacional da Verdade (2012-2014). No entanto, nenhuma dessas iniciativas resultou na responsabilização dos agentes públicos envolvidos nos atos de repressão e violação de direitos humanos.

Um caso emblemático foi o fuzilamento de oito integralistas que tentaram um golpe contra o governo em 1938. Capturados desarmados no Palácio Guanabara, foram mortos sem que houvesse qualquer investigação sobre o crime. A estrutura repressiva se apoiava em forças estaduais controladas por interventores, com delegacias de polícia servindo como centros de tortura. O Rio de Janeiro, então Distrito Federal, abrigava a Policia Especial, responsável pela perseguição a opositores do regime.

Filinto Müller e o Tribunal de Segurança Nacional

Um dos nomes centrais da repressão varguista foi o militar Filinto Müller, recrutado por Vargas em 1930. Ele ascendeu a inspetor da Guarda Civil e, posteriormente, a chefe da polícia política. A institucionalização da repressão foi consolidada pelo Tribunal de Segurança Nacional, criado após a Intentona Comunista de 1935 e ligado à Justiça Militar. Com o Estado Novo, o tribunal ganhou autonomia e operou com rito sumário, processando mais de 10 mil pessoas e condenando 4.100 durante o período ditatorial.

Após o fim do Estado Novo e uma anistia geral, a CPI de 1946, liderada pelo general Euclides de Oliveira Figueiredo, buscou apurar os crimes, mas foi encerrada sem conclusões concretas. Depoimentos coletados revelaram métodos brutais de tortura, como o uso de maçarico, estiletes sob as unhas, cadeira elétrica e espancamentos em delegacias. Carlos Marighella, que mais tarde se tornaria conhecido como opositor da ditadura militar de 1964, também testemunhou sobre as violências sofridas.

Getúlio Vargas em discurso durante o Estado Novo, período de repressão e autoritarismo.
Getúlio Vargas durante o Estado Novo.

Memória Seletiva e Apagamento Histórico

Mais de seis décadas depois, a Comissão Nacional da Verdade trouxe à tona casos como a Prisão e tortura de imigrantes japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, motivada por racismo e confisco de bens. Apesar de um pedido de desculpas oficial em 2023, nenhuma autoridade foi responsabilizada.

Marcos Napolitano, historiador da USP, aponta que, embora o ciclo autoritário de Vargas seja estudado, a memória coletiva tende a apagar seus aspectos mais violentos. A imagem de Getúlio é frequentemente associada ao seu segundo governo, mais democrático, e ao seu suicídio em 1954, atenuando a lembrança da ditadura do Estado Novo, especialmente entre setores da esquerda que foram os mais afetados pela repressão. A fragilidade do conceito de direitos humanos na época e a influência do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) na construção da imagem de Vargas contribuem para essa mitificação, evidenciada pela existência de mais de 40 ruas em homenagem a figuras como Filinto Müller.

Claudia Viscardi, historiadora da UFJF, ressalta a dificuldade de promover justiça de transição e punição devido à baixa prioridade política e à perda de fontes históricas. A compreensão de como o Estado Novo institucionalizou o autoritarismo e a tortura como política de Estado é crucial para entender as violências posteriores, segundo Napolitano.

Documentos históricos relacionados à ditadura de Getúlio Vargas e à repressão política no Brasil.
Documentos da época da ditadura varguista.
Fachada do Palácio Guanabara, palco de eventos históricos durante o Estado Novo.
Palácio Guanabara, sede do governo do Rio de Janeiro.

Fonte: Folha de S.Paulo

Adicionar um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Imagens e vídeos são de seus respectivos autores.
Uso apenas editorial e jornalístico, sem representar opinião do site.

Precisa ajustar crédito ou solicitar remoção? Clique aqui.

Publicidade