Uma crescente tensão se instalou nos Ministérios Públicos de diversos estados brasileiros, opondo servidores (como oficiais de Justiça, analistas e técnicos) aos membros da carreira (promotores e procuradores). A disputa gira em torno dos chamados “penduricalhos”, verbas adicionais que têm gerado controvérsia e protestos.

Em São Paulo, uma oficiala de Promotoria, Ticiane Natale, expressou publicamente durante um ato em frente à sede do MP-SP que os “penduricalhos” visavam o enriquecimento dos membros da instituição. Natale agora responde a um processo administrativo por ter, segundo a acusação, “deixado de proceder, na vida pública e privada, de forma a dignificar a função pública”.
A Desigualdade na Distribuição de Recursos
A Fenamp (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais) tem sido a vanguarda na mobilização contra os “penduricalhos” pagos aos promotores. Sindicatos estaduais já organizaram passeatas e participam de audiências para questionar esses pagamentos adicionais.
Segundo Alberto Ledur, presidente da Fenamp, a demanda dos servidores é menos atendida devido à concentração orçamentária em verbas indenizatórias e retroativas para os promotores. “Identificamos que há uma dificuldade para a tramitação de temas de interesse dos servidores, porque o Orçamento está estrangulado pelas verbas indenizatórias e retroativas. Isso interfere na nomeação de servidores, preenchimento de cargos, atendimento à população e na própria expansão dos serviços”, afirma Ledur.
Ledur também critica a forma como os promotores exercem influência sobre a distribuição de recursos, utilizando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como um órgão deliberativo sobre concessões de verbas, em vez de atuarem como legisladores.
A Polêmica Gratificação por Acúmulo de Processos
Um dos pontos centrais da discórdia é a “licença de gratificação”, uma verba indenizatória para promotores que lidam com um grande volume de processos. Documentos indicam que essa gratificação, originalmente criada para juízes em 2015, foi expandida para juízes de varas estaduais em 2020 e, posteriormente, recomendada pelo CNMP para promotores em 2022.
Em janeiro de 2023, a gratificação por acúmulo de processos passou a ser concedida como uma “licença” (um dia de folga a cada três dias de trabalho com acervo). No entanto, esses profissionais podem optar por não gozar a folga e receber o valor correspondente. Isso Transforma a “licença por acervo” em uma verba compensatória, isenta de Imposto de Renda e que não entra na contagem para o teto constitucional de salários.

Tensão no Ministério Público do Rio de Janeiro
No Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), a situação tornou-se particularmente tensa. Promotores recebem retroativos pelo acúmulo de acervo, enquanto o procurador-geral do estado, Antonio José Campos Moreira, revogou um adicional de qualificação que seria pago aos servidores, alegando a recuperação financeira do estado.
Durante uma sessão colegiada do Órgão Especial do MPRJ, Campos Moreira expressou forte descontentamento com críticas públicas feitas por um servidor. Em um tom exaltado, ele declarou: “Eu sou o procurador-geral de Justiça. Esse cargo é importante. Não é o Antonio José, é o procurador-geral de Justiça. E quem se dirigir a mim vai se dirigir a mim com respeito. Não vai se dirigir de uma ‘forma moleque’ em vaias no meio da rua”. Ele chegou a gritar “Cala a boca” diversas vezes ao microfone e relatou ter recebido “um audiozinho, uma voz esganiçada (…) declarando guerra” após a revogação da resolução.
Desde então, os servidores do MPRJ optaram por reduzir a intensidade do conflito, buscando um diálogo mais calmo.
Fonte: Folha de S.Paulo