Centro de Tortura Onde Herzog Morreu: Entre Memorial e Delegacia

Centro de tortura onde Vladimir Herzog foi morto pode virar memorial. Debate entre MP e governo de SP sobre o futuro do DOI-Codi de São Paulo.
Centro de tortura DOI-Codi — foto ilustrativa Centro de tortura DOI-Codi — foto ilustrativa

Na manhã de 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog apresentou-se voluntariamente na sede do DOI-Codi em São Paulo, na Rua Tutóia, para prestar depoimento. Horas depois, Herzog foi encontrado morto, vítima de tortura.

A sede do DOI-Codi paulistano foi o principal centro de repressão da ditadura militar, onde milhares de presos políticos foram torturados e dezenas assassinados. O órgão, sigla para Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, era comandado por figuras como Carlos Alberto Brilhante Ustra.

O Legado do DOI-Codi de São Paulo

O complexo da Rua Tutóia, que abrigava uma delegacia e era voltado para a repressão, está hoje no centro de um debate sobre a memória. O Ministério Público e organizações de direitos humanos buscam transformá-lo em um memorial, em conflito com o governo de São Paulo, proprietário do espaço.

Fachada do DOI-Codi em São Paulo, local onde Vladimir Herzog foi torturado e morto.
Fachada do DOI-Codi em São Paulo.

Atualmente, o local apresenta uma situação peculiar: uma delegacia (36º DP) continua em funcionamento, enquanto outros prédios do centro abrigam visitas educativas, oficinas de formação e passam por escavações arqueológicas em busca de respostas sobre seu passado.

Disputa pela Memória: Memorial vs. Governo

Em Memória aos 50 anos da morte de Herzog, uma visita mediada especial será realizada. Paralelamente, a segunda etapa de escavações de arqueologia forense, conduzida por universidades como Unifesp, Unicamp e UFMG, está prevista para começar em breve.

O complexo foi tombado pelo patrimônio histórico estadual em 2014. Em 2021, o Ministério Público estadual iniciou uma ação civil pública solicitando a transferência do imóvel para a Secretaria Estadual de Cultura e a criação de um projeto museológico. No entanto, a secretária de Cultura, Marília Marton, expressou ceticismo quanto à necessidade de um memorial no local, citando Falta de recursos e a existência do Memorial da Resistência.

Interior de uma sala no DOI-Codi, com equipamentos de tortura ou de investigação.
Interior de uma sala no DOI-Codi.

O procurador Eduardo Valerio rebate a posição da secretaria, argumentando que, se o Estado foi capaz de criar múltiplos centros de tortura, deve ser capaz de criar múltiplos centros de memória. A Unicamp anunciou um acordo com o Ministério Público para se tornar a mantenedora do futuro memorial.

A Realidade Complexa do Espaço

O complexo conta com quatro prédios: o principal, do 36º DP; dois prédios desativados ocupados para pesquisa e atividades educativas; e um terceiro pertencente ao DHPP. Testemunhos e documentos históricos indicam a existência de salas de tortura em pelo menos dois desses edifícios.

Edson Teles, professor de filosofia política da Unifesp, vê a situação atual como um reflexo da democracia pós-ditadura, onde a memória é definida de forma ambígua, mantendo um espaço policial ao lado de um potencial local de memória.

Escavações arqueológicas em andamento dentro do complexo do DOI-Codi.
Escavações arqueológicas no DOI-Codi.

Pesquisadoras como Deborah Neves e Aline Carvalho veem a coexistência da delegacia com o memorial não como incompatível, mas como uma oportunidade para questionar a violência do Estado e promover a formação em direitos humanos para as forças policiais. Elas sugerem que o memorial pode se tornar um espaço para cursos e discussões sobre o tema, inclusive para os próprios policiais.

A proposta é que, mesmo com a delegacia em funcionamento, o memorial possa atuar como um ponto de reflexão sobre o passado e o presente da violência estatal, buscando um diálogo entre memória, justiça e direitos humanos.

Detalhe de uma sala no DOI-Codi, mostrando a arquitetura antiga e possivelmente vestígios históricos.
Detalhe de uma sala no DOI-Codi.
Vista externa de um dos prédios do complexo do DOI-Codi, em São Paulo.
Vista externa do complexo do DOI-Codi.

Fonte: Folha de S.Paulo

Adicionar um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Imagens e vídeos são de seus respectivos autores.
Uso apenas editorial e jornalístico, sem representar opinião do site.

Precisa ajustar crédito ou solicitar remoção? Clique aqui.

Publicidade