A história do Brasil contemporâneo é marcada por momentos cruciais, e a memória do jornalista Vladimir Herzog é um desses marcos. Próximo ao fim de 1978, o jovem juiz federal Márcio José de Moraes recebeu uma carta emocionante de Zora Herzog, mãe de Vlado, que havia sido assassinado em 25 de outubro daquele ano sob tortura nas dependências do DOI-Codi, um dos principais órgãos de repressão do regime militar.
Esta carta, com cerca de 25 linhas, era uma manifestação de profundo agradecimento a Moraes pela sua coragem em contestar a versão oficial que atribuía a morte de Vlado a um suicídio. Em sua sentença, o juiz ousou desafiar o regime autoritário, impondo à União a obrigação de indenizar a família Herzog e reconhecendo a responsabilidade do Estado na Eliminação do jornalista, mesmo sob a égide do AI-5, que restringia severamente as liberdades no país.
A coragem de um juiz e a gratidão de uma mãe
Zora Herzog escreveu em sua carta, datada de 20 de dezembro de 1978: “De todo coração venho agradecer-lhe esperando que possa, ao longo de sua carreira sempre agir de acordo com os princípios da Justiça e da decência”. Ela também expressou sua gratidão por o juiz ter tornado pública a sentença, aguardada com ansiedade na ação movida por sua nora, Clarice.
“Felizmente, além de cidadão o senhor também é juiz de Direito, e nessa condição conseguiu fazer ouvir seu veredito, não somente colocando um ponto final aos mistérios que envolviam a morte do meu Vlado, mas abrindo, também, perspectivas para que outros injustiçados possam ter seus casos trazidos à luz.”
No próximo sábado, 25 de outubro, a morte de Vladimir Herzog completa meio século. Para homenagear sua Memória, familiares, juristas e amigos que também sofreram com a repressão planejam um ato inter-religioso na Catedral da Sé, local onde foi celebrada a missa de sétimo dia em memória do jornalista.
“Meu filho não voltará, mas seu bom nome não ficará manchado”
Através de uma gravação, a renomada atriz Fernanda Montenegro dará voz à carta de Zora, trazendo à tona a força das palavras da mãe enlutada. Zora Herzog declarou em sua missiva: “Meu filho não voltará, mas seu bom nome não ficará manchado. Se seu desaparecimento não foi em vão para a história do País, para mim sua perda é definitiva, minha dor não tem consolo.”
O magistrado Márcio José de Moraes, hoje com 78 anos, recorda-se com nitidez dos dizeres e da caligrafia de Zora. “Não me lembro do local em que recebi a carta. Lembro, sim, da surpresa e da emoção que me ficaram. A letra da carta está em minha retina até agora. Acho que seria capaz de reconhecê-la ainda hoje.”, relatou.
Embora não se Recorde exatamente onde guardou a carta, ele supõe que a tenha encaminhado ao seu irmão, Mário, historiador e autor de uma tese doutoral sobre o assassinato de Herzog. “A ele encaminhei naquela época uma maleta em que guardava objetos sobre o caso.”
O legado da sentença e a busca por justiça
O parágrafo final da sentença proferida pelo juiz Márcio José de Moraes tornou-se emblemático: “Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e o faço para declarar a existência de relação jurídica entre os autores e a ré, consistente na obrigação deste, indenizar aqueles danos materiais e morais decorrentes da morte do jornalista Vladimir Herzog, marido e pai dos autores.”. Essa decisão representou um ato de coragem e um passo fundamental na busca por reconhecimento e reparação pelas vítimas da ditadura.
Zora Herzog finalizou sua carta com reconhecimento à atuação do juiz: “Fizeram um símbolo do Vlado, justo dele que detestava a notoriedade. A modéstia era uma de suas virtudes. Mas sua honra foi restabelecida graças a sua atuação de homem de bem, sr juiz.” A missiva encerra com votos de “boas festas e bastante saúde” para o magistrado e sua família.
Fonte: Estadão