Operação no Rio: Sombra do Carandiru e Impunidade em Questão

Megaoperação no Rio de Janeiro com mais de 120 mortes levanta fantasmas do Carandiru e o risco de impunidade na apuração de ações policiais.
Massacre do Carandiru — foto ilustrativa Massacre do Carandiru — foto ilustrativa

A recente megaoperação policial no Rio de Janeiro, que resultou em mais de 120 mortes nos complexos da Penha e do Alemão, reaviva preocupações sobre a apuração de mortes decorrentes de intervenção policial no Brasil. A advogada criminalista com décadas de experiência no Tribunal do Júri aponta paralelos preocupantes com o Massacre do Carandiru, sugerindo um risco real de impunidade.

Uma falha grave e fundamental nesta operação foi a não preservação adequada da cena do confronto. Este é um requisito legal essencial previsto no Código de Processo Penal, que exige a apuração rigorosa de toda morte decorrente de intervenção policial, mesmo em casos de aparente legítima Defesa dos agentes.

A Importância da Perícia Criminal Independente

Para que se possa individualizar a conduta de cada policial envolvido – determinando quem atirou, sob quais circunstâncias e se houve excesso –, a perícia criminal independente é indispensável. Através do levantamento completo da cena, da análise de munições e do confronto balístico com as armas dos policiais, é possível reconstruir tecnicamente os eventos. A negligência na preservação do local compromete irremediavelmente essa análise técnica.

Embora a complexidade logística de isolar uma área densamente povoada durante um conflito com 2.500 policiais seja imensa, a dificuldade não anula a obrigação legal. O Estado, capaz de mobilizar tal contingente, deve demonstrar a mesma capacidade para garantir a preservação da cena do crime. A ausência de planejamento para esta etapa revela uma mentalidade que prioriza a ação em detrimento da responsabilização.

O Precedente Histórico do Carandiru

A história serve como um alerta sombrio. No Massacre do Carandiru, a incapacidade de individualizar as condutas dos 326 policiais militares participantes levou à anulação das condenações pelo Supremo Tribunal Federal, décadas depois. O resultado foram 111 mortos e, ao fim, nenhuma responsabilização efetiva.

O risco de repetição desse cenário é iminente. Sem o caminho técnico adequado para a investigação, o processo pode nascer comprometido, resultando em centenas de mortos sem resposta da Justiça.

O Estado de Direito Sob Teste

A tragédia em questão não pode ser normalizada. A morte de tantas pessoas, independentemente das circunstâncias, abala os pilares do Estado de Direito. Aceitar que “no Rio de Janeiro é assim mesmo” significa capitular diante da banalização da violência e criar um precedente perigoso para futuras operações policiais.

A urgência é dupla: conduzir a investigação com as evidências remanescentes e evitar que a sociedade e os agentes do Estado se acostumem com essa realidade. Investigar adequadamente ações policiais não é criminalizar a atividade, mas garantir que ela ocorra dentro dos limites legais. A Justiça brasileira tem uma nova chance de demonstrar que aprendeu com os erros passados.

Fonte: Estadão

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