Câmara prorroga isenções e adia corte de subsídios fiscais

Apesar de um discurso voltado para a redução de subsídios fiscais, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente dois projetos que concedem isenções tributárias. Um deles beneficia a indústria química, com incentivos que podem chegar a R$ 15 bilhões entre 2027 e 2031. Outro projeto estende isenções para dispositivos de Internet das Coisas (IoT).

O Governo do presidente Lula (PT) tem defendido um corte linear de 10% nesses benefícios fiscais, uma medida que representaria uma economia de R$ 19,8 bilhões aos cofres públicos. Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, expressou apoio à ideia de discutir a redução de subsídios, mas, paradoxalmente, pautou os projetos que criam ou prorroga isenções.

Prorrogação de Incentivos para a Indústria Química

Um dos projetos aprovados, o Programa Especial de sustentabilidade da Indústria Química (Presiq), foi aprovado com pouca oposição, sendo enviado ao Senado. O Presiq visa conceder créditos financeiros para o setor, estimulando a transição para uma economia de baixo carbono. A proposta estabelece que o programa tenha início em 2027 e se estenda até 2031, substituindo o atual Regime Especial da Indústria Química (Reiq), que expira no final de 2026.

O relator da proposta, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), argumentou que o setor químico tem perdido competitividade para produtos importados. A expectativa é que o Presiq gere R$ 65,5 bilhões em arrecadação e crie 1,7 milhão de empregos. O programa oferece duas modalidades de créditos: uma para empresas que adquirem matérias-primas petroquímicas (com até 6% do valor da compra e limite anual de R$ 2,5 bilhões) e outra para centrais petroquímicas com projetos de modernização (com até 3% da Receita bruta e limite de R$ 500 milhões anuais).

Para se beneficiarem do Presiq, as empresas deverão investir entre 8% e 10% dos créditos recebidos em pesquisa e desenvolvimento. Adicionalmente, deverão manter o quadro de funcionários igual ou superior ao de janeiro de 2022. Comparado ao Reiq, o Presiq prevê a redução de alíquotas de PIS e Cofins, mas aumenta a exigência de investimento em pesquisa.

Isenções para Internet das Coisas (IoT)

Em uma votação separada, a Câmara decidiu prorrogar até 2030 as isenções fiscais de quatro taxas aplicadas a estações de telecomunicações que integram sistemas de comunicação máquina a máquina, conhecidos como Internet das Coisas (IoT).

A IoT permite a comunicação entre múltiplos dispositivos conectados à internet, facilitando a troca de dados e comandos em áreas como automação residencial, mobilidade urbana e agricultura. O projeto, que segue para o Senado, garante a isenção da TFI (Taxa de Fiscalização de Instalação), TFF (Taxa de Fiscalização de Funcionamento), CFRP (Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública) e Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).

O relator do projeto, deputado federal David Soares (União-SP), destacou que a desoneração em vigor desde 2020 impulsionou 43% da demanda por dispositivos IoT no período. Ele ressaltou a importância da prorrogação diante da revolução digital e da Indústria 4.0, que dependem fundamentalmente da conectividade.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) apoia a medida, afirmando que a isenção dessas taxas não representa perda tributária significativa e pode estimular o desenvolvimento econômico, resultando em maior arrecadação futura. A associação Conexis, que representa grandes empresas de telecomunicações, também celebrou a aprovação, considerando-a um passo crucial para aumentar a produtividade e a competitividade do Brasil.

Contraste com o Discurso Fiscal

A aprovação dessas isenções contrasta com as declarações do presidente da Câmara e do próprio governo sobre a necessidade de cortar subsídios. Enquanto o Ministério da Fazenda, sob o comando de Fernando Haddad, busca formas de aumentar a arrecadação e reduzir o Déficit público, o Legislativo tem avançado em pautas que mantêm ou ampliam benefícios fiscais.

A resistência em cortar subsídios, mesmo aqueles considerados excessivos, pode ser atribuída à força de lobbies setoriais e à complexidade política de retirar benefícios já estabelecidos. Analistas políticos apontam que a busca por equilíbrio fiscal enfrenta barreiras significativas no Congresso Nacional, que frequentemente prioriza demandas de setores específicos.

A expectativa é que o debate sobre a sustentabilidade da política fiscal brasileira continue em pauta, especialmente à medida que o governo busca cumprir metas de déficit e controlar a dívida pública. A aprovação de programas de incentivo, como o Presiq, levanta questionamentos sobre a efetividade e o custo-benefício de tais medidas a longo prazo.

Fonte: Folha de S.Paulo