Bradesco usa carta de ex-CFO da Ambipar contra executivos em processos

Bradesco utiliza carta de demissão do ex-CFO da Ambipar, João Arruda, em processos contra executivos. Documento expõe falta de transparência na empresa.
Carta ex-CFO Ambipar Bradesco — foto ilustrativa Carta ex-CFO Ambipar Bradesco — foto ilustrativa

O Bradesco anexou em processos judiciais contra executivos da Ambipar a carta de demissão de João Arruda, ex-diretor financeiro (CFO) da companhia. A Ambipar entrou com pedido de recuperação judicial na última segunda-feira, 20. As ações foram impetradas pelo escritório de Walfrido Warde, com oito processos em andamento buscando responsabilizar administradores pela insolvência da empresa.

Carta de Demissão Revela Falta de Transparência na Ambipar

No documento, Arruda expressou preocupação com a “Falta de transparência e completude das informações” internas. Ele questionou a solidez do caixa e a robustez da liquidez da companhia. Procurados, Ambipar, Bradesco e o próprio Arruda optaram por não comentar o caso.

O ex-CFO é acusado pela Ambipar de ter assinado um aditivo contratual com o Deutsche Bank que teria levado ao vencimento cruzado de dívidas, gerando um rombo de R$ 10 bilhões e motivando o pedido de recuperação judicial. Arruda enviou sua carta de Demissão a Tércio Borlenghi, controlador da Ambipar, na sexta-feira, 19 de setembro, detalhando o clima de desconforto e “embates constantes” com Borlenghi, que ele atribui à falta de transparência sobre possíveis “negócios e operações”.

A Ambipar comunicou oficialmente a saída de Arruda na segunda-feira, 22 de setembro, após o fechamento do Mercado, simultaneamente à divulgação de uma emissão de debêntures que não se concretizou. Essa demora na comunicação violou a Resolução 44 da CVM, que exige a divulgação imediata de fatos como a troca de CFO.

Suspeitas de Preparação e Comunicação com o Mercado

Três dias após a comunicação da saída do CFO, na quinta-feira, 25 de setembro, a empresa obteve uma liminar que suspendeu o pagamento de dívidas, sugerindo um planejamento prévio do movimento. Fontes indicam que Arruda apresentou sua carta e sua versão dos fatos à CVM, buscando clareza sobre as operações da empresa.

Na carta, Arruda também reclama da ausência de conhecimento sobre diversos negócios, aponta falhas em compliance e declara dúvidas sobre a saúde financeira da Ambipar. Ele relata ter sido surpreendido com informações sobre o resultado do segundo trimestre e questionamentos de bancos, stakeholders, agências de rating e mídia especializada sobre operações com FIDC’s e outros negócios, dos quais nunca foi devidamente informado.

O ex-CFO criticou Borlenghi e Thiago da Costa Silva, diretor que também é processado pelo Bradesco, por se reunirem com bancos e stakeholders sem seu envolvimento, apresentando informações não validadas por ele. Arruda destacou que estava sendo copiado em e-mails sobre operações que não teve conhecimento prévio.

Renúncia Imediata e Irreversível

Diante desse cenário, Arruda declarou que não poderia mais ser parte “eminentemente figurativa” da gestão financeira imposta. Ele reafirmou seu compromisso com a transparência e sua discordância em relação à prestação de informações incompletas, recusando-se a postergar respostas aos questionamentos recebidos.

Arruda mencionou ainda a recente notícia sobre a Demissão do diretor Jurídico, Mauro Nakamura, e o rebaixamento do outlook de crédito para negativo pela Fitch e S&P. Ele alertou que a decisão de Borlenghi de demitir Nakamura, em um momento delicado, demonstra o risco para acionistas minoritários e uma mensagem de enfraquecimento da governança corporativa, algo com que não pode concordar.

“Portanto, considerando todo esse contexto, venho renunciar ao cargo de CFO da Ambipar, em caráter imediato e irretratável, pedindo que seja dada a devida visibilidade das minhas razões a quem de direito, a tempo e forma legais”, concluiu João Arruda em sua carta.

Leia a íntegra da carta de João Arruda:

“Tercio

Boa noite

Desde o início de minha Contratação, manifestei a necessidade de sempre ter plena visibilidade de tudo que se correlacionasse com o cargo que ocupo de diretor financeiro e com os temas de interesse da Cia.

Recentemente estamos tendo embates constantes que decorrem, invariavelmente, da falta da adequada transparência no que se correlaciona com possíveis negócios/operações que você estaria realizando na Ambipar sem me dar qualquer mínima ciência, sem me trazer previamente para troca de opiniões ou me pedir a realização de uma análise de riscos.

A Ambipar é uma empresa de capital aberto e está obrigada a seguir regras rígidas de governança e compliance.

Isso não é opcional e todas as questões financeiras e comerciais tem de ser compartilhadas a tempo e modo oportunos comigo como CFO, com o Jurídico e o Compliance e isso não está acontecendo, infelizmente!

A falta de transparência e completude das informações financeiras e operacionais disponibilizadas à toda a Diretoria, não somente a minha pessoa, é algo inaceitável em qualquer empresa, sobretudo em empresas de capital aberto.

Conforme você bem sabe, em alguns momentos e mais recentemente dias atrás, estava decidido a deixar a empresa diante desse cenário, dado que fui surpreendido por novas informações no resultado do segundo trimestre e você, além de me garantir que não há nada de errado na empresa, prometeu que nada nunca seria omitido de mim e consequentemente, da nossa auditoria e do mercado.

Estou sendo surpreendido com questionamentos de bancos, stakeholders, agências de rating, mercado e mídia especializada sobre operações com Fidc’s (fundos creditórios) e negócios que você nunca minimamente me inteirou.

Nem sei mais se a posição de caixa da companhia é sólida e se a liquidez é robusta.

Tão ruim quanto isso, é você e o Thiago se reunindo com bancos, stakeholders, etc, sem me envolverem, novamente criando uma venda sobre meus olhos, e apresentando informações que sequer eu validei.

Estou sendo copiado em e-mails enviados a bancos de informações que não tive conhecimento prévio.

Portanto, eu realmente não tenho como ser parte eminentemente figurativa dessa estrutura de gestão financeira que você está impondo.

Não vou aqui, até porque não tenho condições de fazê-lo, dizer se ocorreram ou não situações concretas ou qual foi o apetite a riscos assumido, etc, etc, mas é do senso comum de qualquer um que se ocorreram ou estão ocorrendo operações sem que eu seja envolvido na condição de CFO da Ambipar que sou, algo de inusual pode estar inserido nesse contexto.

Daí porque quero ser totalmente transparente e deixar claro que não concordo e não concorrerei com a prestação de informações incompletas e tampouco vou postergar respostas aos questionamentos que estou recebendo.

Além disso, recebi a notícia há pouco que você demitiu nosso diretor Jurídico, Mauro Nakamura.

Em função da falta de transparecia e governança, a Ambipar teve esta semana a avaliação do outlook de crédito rebaixado para negativo pela Fitch e S&P.

Um dos comentários claros nos relatórios que existiria a possibilidade de mais perdas no time corporativo e esta sua decisão repentina, em um momento tão delicado, mostra o quão temerário para os acionistas minoritários é esta mudança de rumo.

A mensagem que você esta passando para o mercado é de menos governança quando deveria estar sendo o contrário e não posso concordar com este movimento.

Portanto, considerando todo esse contexto, venho renunciar ao cargo de CFO da Ambipar, em caráter imediato e irretratável, pedindo que seja dada a devida visibilidade das minhas razões a quem de direito, a tempo e forma legais.

Atenciosamente, João Arruda”

Fonte: Estadão

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