A Argentina se encontra novamente em uma situação delicada, com o Tesouro americano estendendo uma linha de crédito de US$ 20 bilhões e buscando convencer o setor privado a ofertar um montante similar. O Governo também teria adquirido dólares para aliviar a pressão sobre a moeda local.
Apesar de um forte ajuste fiscal que reverteu um Déficit de 4,4% do PIB em 2023 para um superávit de 0,3% nos 12 meses até junho, reduzindo gastos e implementando reformas microeconômicas ambiciosas, a política econômica argentina apresenta ao menos dois pontos de fragilidade.
A armadilha da taxa de câmbio
O primeiro ponto é a persistente tentativa de controlar a inflação através da manutenção artificial da taxa de câmbio. Após uma significativa desvalorização da moeda em dezembro de 2023, o peso argentino não acompanhou a inflação, resultando em uma valorização real em relação ao dólar de cerca de 10% na média de 2025 em comparação a 2023.
Em relação ao real brasileiro, a valorização foi ainda mais expressiva, atingindo 14%, o que é particularmente relevante, visto que o Brasil representa quase 20% do intercâmbio comercial argentino. Os Estados Unidos, por sua vez, respondem por aproximadamente 9% desse intercâmbio.
Essa sobrevalorização da moeda, combinada com a disposição do banco central em defendê-la, intensifica o interesse de especuladores e fomenta a fuga de capitais. Essa dinâmica já se refletiu na queda do saldo comercial argentino, que caiu pela metade entre 2024 e os 12 meses até setembro de 2025.
A sobrevalorização cambial se tornou um veneno, e a política econômica carece da coragem que o Brasil demonstrou em 1999 ao mudar seu regime cambial.
Riscos políticos e a fragilidade do governo Milei
O segundo aspecto crucial é de ordem política. A sustentabilidade das medidas econômicas positivas, como o ajuste fiscal e as reformas microeconômicas, está intrinsecamente ligada à permanência da atual administração no poder. Com resultados eleitorais desfavoráveis em setembro e a expectativa de derrota nas eleições parlamentares deste domingo, o governo de Javier Milei corre o risco de se tornar um “pato manco” nos próximos dois anos, um período excessivamente longo para resistir sem avanços significativos.
Neste cenário, mesmo o apoio financeiro dos contribuintes americanos pode não ser suficiente para manter o câmbio nos níveis atuais. Há uma probabilidade elevada de uma nova desvalorização após as eleições, repetindo um ciclo histórico. Resta saber se desta vez haverá uma oportunidade para romper com a camisa de força cambial ou se será apenas mais uma repetição do passado.
Lições da história argentina e a busca por estabilidade
A história econômica da Argentina serve como um severo aviso: quando a taxa de câmbio é utilizada como ferramenta principal contra a inflação, o resultado final é muitas vezes prejudicial. A falta de coragem para implementar uma mudança de regime, como o Brasil fez em 1999, impede a Argentina de sair desse ciclo vicioso.
A Argentina, sob a administração de Javier Milei, enfrenta um dilema complexo. Enquanto busca estabilizar a economia com um forte ajuste fiscal e reformas, a estratégia de controle cambial e a instabilidade política representam riscos significativos para o futuro. A dependência de crédito externo e a pressão sobre a moeda local evidenciam a necessidade de uma abordagem mais robusta e sustentável para superar a inflação crônica e a volatilidade econômica.
Fonte: Estadão