O Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou integralmente a lei que cria o programa Agora Tem Especialistas, destinado a reduzir as filas de espera por consultas, exames e cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS). A iniciativa prevê a utilização da estrutura de hospitais e clínicas particulares em Parceria com o SUS para ampliar a capacidade de atendimento. No entanto, a decisão desconsiderou alertas importantes feitos pelo Ministério do Planejamento e Orçamento.

Alertas ignorados sobre impacto fiscal e legalidade
Em documentos internos, a Subsecretaria de Programas Sociais e a Subsecretaria de Assuntos Fiscais, ligadas à Secretaria do Orçamento Federal (SOF), recomendaram vetos a dispositivos específicos do Projeto de Lei de Conversão nº 5/2025. Os técnicos apontaram que algumas determinações contrariavam a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria Lei Orçamentária de 2025.
Um dos pontos de atenção foi a previsão de pagamento de um adicional na bolsa-formação para profissionais que atuassem em áreas de difícil provimento, como a Amazônia Legal e territórios indígenas. A área técnica ressaltou a Falta de uma estimativa de impacto orçamentário e financeiro para essa despesa, alertando para os riscos ao atingimento da meta de resultado primário do governo.
O relator do projeto no Congresso, senador Otto Alencar (PSD-BA), acatou uma emenda que adicionava este benefício, justificando que ele incentivaria a fixação de especialistas em áreas carentes.
Renúncia de receita e despesas sem compensação
Outra recomendação de veto, vinda da Subsecretaria de Assuntos Fiscais, dizia respeito a artigos que concedem créditos financeiros a estabelecimentos hospitalares. Segundo os técnicos, esses dispositivos acarretariam renúncia de Receita para o governo.
A equipe técnica observou que, embora a renúncia pudesse estar compensada no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, não havia uma manifestação formal da Receita Federal nesse sentido. Por isso, condicionaram a aprovação à declaração formal da Receita sobre a adequação orçamentária e financeira da proposta.
O Congresso também incluiu a possibilidade de converter a obrigação de ressarcimento à União em prestação de serviços ao SUS. A inovação permitia incluir valores de dívidas não inscritas, em contestação judicial ou em renegociação de créditos inadimplidos nesse cálculo. Para os técnicos, isso representava uma ampliação da redução de receita, necessitando de um novo demonstrativo de impacto orçamentário.
Posicionamentos e sanção presidencial
A ministra Simone Tebet, do Planejamento, chegou a recomendar vetos parciais ao ministro Rui Costa, da Casa Civil. Ela informou que as recomendações poderiam ser superadas caso houvesse declaração formal da Receita Federal sobre a adequação orçamentária e financeira, e um demonstrativo da perda de receita. Mesmo sem toda a documentação exigida, o presidente Lula sancionou a lei integralmente, sem vetos.
A Casa Civil declarou que recebe contribuições dos ministérios e que a compensação e estimativa de impacto fiscal foram devidamente apresentadas, alegando que todas as condicionantes do Ministério do Planejamento foram atendidas. Contudo, não respondeu sobre a publicidade dos documentos da Receita Federal que comprovariam essas alegações.
Interlocutores governamentais indicam que é comum o Ministério do Planejamento condicionar sua manifestação à resposta de outros órgãos, que por sua vez se comunicam com a Casa Civil, centralizadora das análises legislativas.
Críticas e preocupações fiscais
A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados já havia apontado que o mecanismo financeiro criado para o programa, elaborado em parceria entre os Ministérios da Fazenda e da Saúde, teria efeitos semelhantes ao gasto público direto, mas fora do controle orçamentário tradicional.
O programa prevê um crédito financeiro de até R$ 2 bilhões por ano a partir de 2026, baseado na troca de dívidas tributárias por serviços de saúde prestados ao SUS por hospitais privados e filantrópicos. Uma pessoa do Tribunal de Contas da União (TCU), em caráter reservado, avaliou que o Congresso frequentemente cria despesas ou renúncias de receitas sem as devidas compensações, afetando as metas fiscais.
Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), considerou o parecer técnico do Ministério do Planejamento contundente. Ele destacou que foram inseridos dispositivos que afetam a receita sem estimativa de impacto orçamentário, e que se cria despesa obrigatória de caráter continuado sem a devida projeção. Segundo Andrade, o cenário de dificuldades para o cumprimento da meta fiscal torna a situação ainda mais delicada, especialmente em um ano eleitoral como 2026, onde o governo busca mostrar realizações, mesmo que isso afete o regramento fiscal vigente.
Fonte: Estadão