Uma ala da base governista que apoia o presidente Lula (PT) está formulando uma nova estratégia política na Câmara dos Deputados. Após a condenação de Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, o foco agora recai sobre o Centrão, buscando posicioná-lo como um antagonista aos interesses da sociedade. Essa tática visa capitalizar o atual momento de alta popularidade do petista, impulsionado por uma narrativa de Defesa da soberania nacional.


No entanto, desafios persistentes, como a fragmentação da esquerda e a própria fragilidade da base governista frente ao poderio do Centrão, podem comprometer a estabilidade política até o início do período eleitoral. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) observa que, apesar da condenação, as ideias de Bolsonaro continuam a ser disseminadas por segmentos do Centrão que se alinharam à direita nos últimos anos. Ele acredita que o futuro adversário de Lula em 2026 emergirá desse bloco.
“A negociação entre o bolsonarismo raiz e o Centrão foi um acordo para o controle do Orçamento“, afirma Valente. “O Centrão se autonomizou em relação ao governo e muitos também se bolsonarizaram.”

Valente defende que a esquerda se distancie das demais forças políticas, estabelecendo um contraponto claro à maioria que compõe o Congresso Nacional. A estratégia proposta é capitalizar sobre as Derrotas legislativas impostas pela oposição e pela própria base governista, além de impor uma agenda própria que inclua pautas relevantes como o fim da escala 6×1. O objetivo é expor as posições do Centrão e consolidar a imagem do Governo.
“Eu defendo que o governo paute questões, mesmo que perca, para expor o Centrão”, afirma Valente. “O governo precisa acabar com qualquer ilusão de ser possível agradar tanto o Mercado quanto o agronegócio, porque eles são ideológicos.”
Essa retórica se alinha a movimentos recentes de Lula, que criticou o baixo nível do debate político no Congresso em um evento recente no Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, o presidente da Câmara, Arthur Lira, foi alvo de vaias e gritos de “sem anistia”.
Cenário Político e Popularidade do Governo
Embora ainda distante dos picos de governos anteriores, a popularidade de Lula atingiu seu melhor índice anual em setembro. Pesquisa Datafolha indicou que a aprovação do presidente chegou a 33%, o melhor resultado desde dezembro de 2024. O cientista político Leonardo Belinelli, da UFRRJ, aponta fatores que explicam essa conjuntura favorável: a resposta à tarifa imposta pelo então presidente americano Donald Trump, que impulsionou a campanha pela soberania nacional, as manifestações que resultaram na rejeição da PEC da Blindagem, e a condenação de membros-chave de uma suposta trama golpista.
“O campo bolsonarista, refletido em parte no centrão, ficou muito desorganizado sem a liderança de Bolsonaro, até porque nomes como Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto não parecem ter um projeto comum”, afirma Belinelli. “O papel da comunicação do governo será fundamental para a consolidação do momento pró-governo.”

Desafios e Perspectivas para a Governabilidade
Para Christian Lynch, cientista político da UERJ, a conjuntura atual pode marcar um arrefecimento do entusiasmo com o conservadorismo no Brasil após uma década. Ele observa que a sociedade testemunhou o Centrão se perder em sua postura fisiológica e o bolsonarismo se consumir em seu ímpeto golpista. Contudo, esses fatores não devem levar à euforia na esquerda, uma vez que os desafios para o governo persistem, especialmente a sua minoria no Legislativo.
“Em termos de governabilidade, ela nunca funcionou e talvez já exista uma certa renúncia à governabilidade”, afirma Lynch. O Congresso impôs uma derrota ao Planalto ao deixar perder validade uma Medida Provisória que visava aumentar a arrecadação, um exemplo de como o Legislativo pode minar as iniciativas do Executivo. “O governo passou a ser oposição ao centrão, tentando propagar o pensamento de que o Congresso representa o atraso”, conta Lynch. “Não é uma onda positiva para Lula, mas uma marolinha.”
O deputado federal Rui Falcão (PT-SP), ex-presidente do PT, também se alinha à ala crítica ao Centrão. “Outro dia me perguntaram ‘deputado, por que a gente não põe para votar pautas nossas, mesmo que a gente perca?’ Sou a favor, precisamos ter uma disputa de ideias e criar um movimento de massas para que existam condições melhores para Lula em um novo governo”, diz. Ele ressalta que essa abordagem não fomenta a antipolítica, mas sim o engajamento popular.
“O pensamento contra a política se manifesta de outros modos, quando a gente tolera, por exemplo, as emendas secretas ou uma proposta para blindar parlamentares.” Falcão se opõe à ideia de renunciar à governabilidade, considerando-a um pensamento eleitoreiro. Ele reconhece o momento positivo, especialmente com a pauta da anistia aos golpistas regredindo, mas adverte contra a euforia, apontando problemas mais profundos para a esquerda.
Segundo Falcão, o PT, em particular, estaria perdendo sua identidade transformadora, afastando-se das periferias. Ele argumenta que apenas com pressão popular seria possível reverter certas propostas no Congresso. Assim, a comunicação governamental deveria ser não apenas celebratória, mas convocatória, incentivando o engajamento em lutas sociais para que o partido não seja visto apenas como parte do sistema.
Fonte: Folha de S.Paulo