Em seu último dia de atuação no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso proferiu um voto favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Atualmente, a legislação brasileira permite a interrupção da gravidez apenas em casos de estupro, risco de vida para a gestante ou fetos com anencefalia.
Barroso argumentou que as mulheres são seres livres e iguais, possuindo autonomia e autodeterminação para realizar suas escolhas existenciais. Ele enfatizou que o papel do Estado é assegurar que cada indivíduo possa viver de acordo com suas convicções, sem impor um lado.
Um Último Voto Antes da Aposentadoria
O ministro solicitou uma sessão extraordinária e urgente no plenário virtual para participar do julgamento antes de sua Aposentadoria. A votação foi suspensa após um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes. Essa estratégia de Barroso de dar o voto decisivo na iminência da aposentadoria espelha a conduta de Rosa Weber, que também votou a favor da descriminalização às vésperas de deixar o tribunal em setembro de 2023, estabelecendo o limite de 12 semanas, que foi integralmente acompanhado por Barroso.
Impacto no STF e Sucessão
Um dos nomes cotados para suceder Barroso é o advogado-geral da União, Jorge Messias. Sendo evangélico, sua indicação poderia gerar um voto contrário à ampliação das hipóteses de aborto legal. De acordo com o regimento interno do STF, os votos de ministros aposentados permanecem válidos mesmo após deixarem a corte, o que impede que seus sucessores votem em casos já iniciados.
Posicionamento Jurídico e de Saúde Pública
O posicionamento de Barroso era amplamente esperado, visto que ele já havia se manifestado publicamente em defesa da descriminalização do aborto. Contudo, ele sempre ressaltou que a sociedade precisava estar mais madura para tal decisão do STF. Com a Aposentadoria, o ministro considera que o momento chegou. Em seu voto, Barroso focou em aspectos jurídicos, com ênfase nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, ao mesmo tempo em que manifestou respeito às doutrinas religiosas contrárias ao procedimento.
Barroso esclareceu que sua posição é contra a criminalização das mulheres que realizam o procedimento, e não a favor do aborto em si. “É perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”, declarou. Ele defendeu ainda que o aborto seja tratado como uma questão de saúde pública, e não de direito penal, argumentando que a criminalização não reduz o número de ocorrências, tornando a norma ineficaz.
“A criminalização é uma política pública que não atinge o objetivo de reduzir o número de ocorrências. A maneira adequada de lidar com o tema é fazer com que o aborto seja raro, mas seguro”, afirmou o ministro. Ele também apontou que a criminalização penaliza, principalmente, mulheres pobres que não têm Acesso a informações ou procedimentos adequados de saúde.
Mobilização e Decisão do STF
Entidades religiosas buscaram reverter o movimento de Barroso, especialmente após o presidente do STF, Edson Fachin, adiar a decisão sobre a sessão. Sem uma definição rápida, grupos contrários ao aborto iniciaram mobilizações. No entanto, Fachin atendeu ao apelo de Barroso, convocando a sessão e justificando que seria a única chance de voto do colega. O despacho para incluir o item na pauta entrou no sistema processual pouco antes do início previsto do julgamento, demonstrando a urgência solicitada.
Fonte: Estadão