Desembargador do TJ-PR acusado de assédio sexual e moral; vídeos e depoimentos expõem condutas

Desembargador do TJ-PR, Luís Espíndola, é acusado de assédio sexual e moral por servidoras. Depoimentos e PAD revelam padrão predatório e condutas inadequadas.
assédio sexual e moral desembargador — foto ilustrativa assédio sexual e moral desembargador — foto ilustrativa

O desembargador Luís César de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), enfrenta um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e foi afastado de suas funções após uma série de acusações de assédio sexual e moral por parte de pelo menos cinco servidoras de seu gabinete. Relatos detalhados e transcrições de depoimentos, obtidos pelo Estadão, pintam um quadro sombrio da rotina de intimidação e condutas inadequadas no ambiente de trabalho.

Em sua Defesa junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o magistrado contestou a validade dos depoimentos, alegando ‘fragilidade, generalidade e contradições’, além da prescrição de fatos antigos. No entanto, as acusações revelam um padrão comportamental preocupante.

Relatos Chocantes de Assédio

As servidoras relataram episódios de assédio sexual e moral, incluindo comentários explícitos sobre seus corpos e vestimentas. Uma funcionária relatou ter sido ‘mordida na bunda’ enquanto subia uma escada. Outras mencionaram ouvir do desembargador comentários como ‘como fulana está gostosa’, ‘você está com peitão’, e ‘olha como fulana está coxuda’. Comentários sobre ‘essas pernas’ e ‘você com essas pernas de fora’ também foram citados, em referência a servidoras que usavam saias.

Uma das depoentes descreveu crises de nervos e pânico decorrentes dos modos ‘grosseiros’ do magistrado. Em um incidente, ele teria agarrado uma funcionária a quem chamava de ‘gostosa’. Os relatos foram anexados a um relatório que levou à instauração do PAD no CNJ, resultando no afastamento de Espíndola.

Contexto da Decisão e Declarações Controversas

O afastamento do desembargador ocorreu após um episódio emblemático durante o julgamento de um caso de suposto assédio de um professor a uma aluna de 12 anos. Na ocasião, Espíndola concluiu o julgamento afirmando que ‘são as mulheres que correm atrás dos homens, estão loucas pelos homens’. Essa declaração gerou forte repercussão e críticas, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná, que argumentou que o magistrado apresentava ‘conduta incompatível com o exercício do cargo’.

A OAB também destacou que o desembargador já havia sido condenado pela prática de crime em contexto de violência doméstica, tendo como vítima sua própria irmã, também desembargadora do TJ-PR.

‘Acordo’ para Evitar Assédio

As servidoras, apavoradas, relataram ter firmado um ‘acordo’ entre elas para evitar ficarem sozinhas com o desembargador. Sempre que uma precisasse estar com ele, outra deveria acompanhá-la obrigatoriamente. Uma funcionária que ficou sozinha com Espíndola descreveu o que considera o ‘episódio de assédio sexual mais grave’. Ao procurar a Comissão de Assédio do Tribunal, foi desencorajada, informada que o desembargador teria conhecimento da denúncia e que fazia ‘inúmeras brincadeiras de cunho sexual’ na frente de toda a equipe.

Após a reação da depoente, o desembargador teria adotado uma postura de assédio moral, devolvendo processos para correção e desvalorizando seu trabalho com comentários depreciativos na frente de todos. Ele também era acusado de criar ‘picuinhas’ entre as assessoras, falando mal do trabalho de uma para a outra. Todas as assessoras, segundo os relatos, sofriam forte assédio moral e choravam, levando algumas a necessitar de tratamento psicológico e psiquiátrico.

Comentários Misóginos e Abuso de Poder

Além dos comentários sobre corpos e roupas, uma declarante afirmou que o desembargador falava constantemente de forma preconceituosa sobre pessoas homossexuais. Em casos de abuso de menores, ele supostamente orientava a minuta de decisões sem fundamento jurídico para evitar punições, sugerindo que a vítima ‘poderia estar gostando dos abusos’.

Um relato descreve que, ao cumprimentá-la, o desembargador abraçou a depoente e passou a mexer na alça do seu sutiã, causando grande desconforto. Comentários sobre roupas justas e pedidos para ‘dar uma voltinha para eu dar uma opinião sobre essa roupa’ também foram mencionados. Em outra ocasião, ele teria feito menção de colocar a mão na coxa de uma assessora durante um encontro em sua residência, onde também ofereceu uma ‘cama ao lado da dele’ para que trabalhassem.

‘Padrão Predatório’ e análise do CNJ

O ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, expressou perplexidade diante da conduta atribuída ao desembargador. Em seu parecer de 29 páginas, ele descreveu um ‘quadro de extrema gravidade institucional, caracterizado pela prática sistemática e reiterada de condutas que configuram assédio sexual e moral’. Campbell asseverou que os depoimentos evidenciam um ‘padrão comportamental predatório que perdura há décadas’, com início documentado desde 1998.

O ministro concluiu que o desembargador ‘transformou seu gabinete em um ambiente de trabalho hostil, intimidatório e degradante’, violando princípios de dignidade humana e respeito mútuo. Ele defendeu a manutenção do afastamento de Espíndola e a abertura do PAD.

Assédio Sexual e Moral Detalhados

Campbell detalhou as condutas de assédio sexual, incluindo ‘contato físico não consensual (episódio da ‘mordida’), manipulação de vestimentas íntimas, comentários sexualizados sistemáticos sobre o corpo das servidoras… e tentativas de contato físico inadequado’. Ele destacou que a reiteração dessas práticas configurou um ‘ambiente de constante vigilância e medo’, forçando as servidoras a desenvolverem ‘estratégias defensivas coletivas’.

Quanto ao assédio moral, o corregedor apontou a implementação de um ‘sistema de controle psicológico baseado na humilhação pública, desqualificação profissional sistemática, retaliações por exercício de direitos trabalhistas’ e a criação deliberada de conflitos interpessoais. Para ele, as condutas resultaram em ‘danos psíquicos comprovados’, necessitando de acompanhamento médico especializado.

O relatório também ressaltou o ‘pacto de proteção mútua’ entre as assessoras como ‘prova inequívoca da percepção coletiva do risco iminente de violência sexual’. O comportamento do desembargador foi classificado como ‘grave ameaça à integridade física e psíquica dos servidores’.

Histórico de Violência Doméstica

Mauro Campbell mencionou o histórico de violência doméstica e familiar do desembargador, lembrando a condenação pela prática de Lesão corporal contra sua mãe e irmã. Embora não fosse objeto direto do PAD, o corregedor considerou esses fatos relevantes para ‘compreender a dimensão e as implicações do comportamento, do caráter e da personalidade’ de Espíndola. A condenação, mesmo prescrita, expõe ‘um padrão de comportamento que evidencia a incapacidade do magistrado de agir em conformidade com os deveres éticos e institucionais da magistratura’, segundo Campbell.

‘Palavras Misóginas e Preconceituosas’

O corregedor alertou que a Permanência do desembargador no cargo representa ‘risco concreto não apenas à confiança social na Justiça, mas também à proteção de valores fundamentais da ordem constitucional’, como a dignidade humana e a igualdade de gênero. Ele ainda mencionou que Espíndola ‘tem proferido, de forma sistemática, palavras misóginas e preconceituosas em julgamentos da Câmara de Violência a Menores e à Mulher’, demonstrando parcialidade e desrespeito.

O conjunto probatório, segundo Campbell, indica violações à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), ao Código de Ética da Magistratura e a tratados internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). O corregedor recomendou ‘intervenção correicional imediata e enérgica’ para prevenir novas vitimizações.

Resumo da Rotina do Magistrado

A rotina do magistrado, conforme resumida pelo corregedor, inclui:

  • Desqualificações sistemáticas de assessoras (‘corrupta, incompetente, mentirosa’).
  • Condutas como ‘morder a bunda, mexer na alça do sutiã, tentar colocar a mão na coxa, abraços inadequados’.
  • Comentários sexualizados sistemáticos, convites inapropriados para trabalhar em sua residência com menções a camas.
  • Orientações inadequadas em casos de abuso de menores, sugerindo que a vítima poderia gostar.
  • Descumprimento de protocolos sanitários durante a pandemia.
  • Conhecimento de crimes contra menores sem a devida apuração, com julgamento de viés ideológico.
  • Improbidade administrativa, com uso inadequado da função pública para fins pessoais.

‘Tais condutas caracterizam flagrante desvio de função, abuso de poder e incompatibilidade com o exercício da magistratura’, concluiu o corregedor, recomendando a instauração do PAD e a manutenção do afastamento.

A Defesa do Desembargador

Em sua manifestação ao CNJ, o desembargador Luís César de Paula Espíndola sustentou que suas falas em ambientes informais não configuram infração punível e que veículos de comunicação fizeram ‘uso inadequado’ de conversas privadas. Ele reiterou a ‘ausência de falta funcional no exercício da atividade judicante’.

Sobre o caso de assédio a uma menor, ele justificou que se convenceu da cessação do risco, pois a vítima já teria 14 anos, e que a mãe declarou que a filha estava bem. Ele citou o arquivamento do Inquérito pelo Ministério Público e da sindicância pela Secretaria Estadual de Educação por falta de provas e inexistência de irregularidades.

Espíndola alegou que seus comentários ocorreram após o encerramento informal de uma sessão e que a divulgação externa se deu porque a transmissão permaneceu aberta. Ele invocou o artigo 41 da Loman, que veda punição por opiniões ou teor de decisões. Pediu a revogação de seu afastamento cautelar ou a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Fonte: Estadão

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