A aprovação do plano de recuperação judicial da Mover, antiga Camargo Corrêa, e da cimenteira InterCement (ICP) destravou dois grandes negócios com potencial de R$ 7 bilhões. Estes valores serão aplicados na quitação de uma dívida reestruturada de aproximadamente R$ 13 bilhões.
A primeira operação, prevista para novembro, é a venda da participação de 14,86% da Mover na Motiva (antiga CCR). Em seguida, no primeiro trimestre de 2026, será lançada a venda do controle da cimenteira Argentina Loma Negra, após a transferência de ações da InterCement para seus credores em troca de dívidas.
Ambas as vendas seguirão um processo competitivo e dependem de trâmites legais subsequentes à aprovação do plano de recuperação judicial da Mover e InterCement. Incluem homologações judiciais, do administrador judicial, do Ministério Público Federal e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), além de atos societários.
O objetivo principal da venda das ações da Motiva, em acordo com o Bradesco BBI, é quitar a dívida de R$ 3,3 bilhões da holding da família Camargo com o banco. Segundo Leonardo Galvão, CEO e presidente do conselho da Mover e Intercement Participações, a homologação do plano da Mover é menos complexa que a da InterCement.
A Mover e o Bradesco BBI definirão os advisers e o coordenador da operação. O próprio Bradesco BBI atuará em fusões e aquisições (M&A) e ofertas de ações.
Considerando o Valor de mercado da Motiva em R$ 28,1 bilhões, a participação da Mover é avaliada em R$ 4,2 bilhões. Os demais acionistas controladores — Votorantim, Itaúsa e Soares Penido — têm direito de preferência e podem exercê-lo, dependendo do valor da transação.
Conforme o acordo, o Bradesco BBI receberá seu crédito após deduções de impostos, Custos com assessoria financeira e cerca de R$ 500 milhões que irão para o caixa da Mover. Os critérios para definição do montante final ainda estão sendo estabelecidos.
Loma Negra: Negócio Estratégico na Argentina
A venda da Loma Negra, líder do mercado argentino de cimento, depende da homologação do plano de recuperação e da transferência do controle da ICP, que detém 52,14% da companhia. O processo exigirá homologações judiciais no Brasil, nos EUA (com ações na Bolsa de Nova York), na Holanda e na Espanha, o que torna a operação mais demorada, com previsão de conclusão até março de 2026.
Os novos controladores da InterCement serão o empresário argentino Marcelo Mindlin, um grupo de bondholders e o Banco Bradesco. Mindlin, dono da Pampa Energia, e cinco instituições financeiras compraram créditos do Banco Itaú e do Banco do Brasil junto à cimenteira em junho, relativos a debêntures.
O valor arrecadado com a venda da Loma Negra será destinado ao pagamento de dívidas com três grupos de credores, cujos créditos eram garantidos por ações da cimenteira, totalizando R$ 3,7 bilhões. Posteriormente, em dois a três anos, os novos donos da ICP venderão a unidade brasileira (ICB). O total da dívida da ICP com os credores é de R$ 9,4 bilhões.
O valor mínimo esperado na negociação da Loma Negra é de US$ 500 milhões (R$ 2,75 bilhões). A participação dos novos acionistas na cimenteira, com valor de mercado de US$ 915 milhões na NYSE, corresponderia a R$ 2,6 bilhões. A expectativa é alcançar um valor superior, com a possível valorização da cimenteira devido à recuperação da economia argentina.
Moelis, consultora financeira que representou os bondholders na recuperação judicial da InterCement, e o banco Bradesco não comentaram o assunto.
Recuperação Judicial Complexa e Tensa
Após negociações frustradas de venda da InterCement para a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a cimenteira e a Mover entraram com pedido de recuperação judicial em dezembro de 2024, com dívidas totais de R$ 13,7 bilhões.
A nova etapa de negociações com credores como Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e cinco casas de bônus foi marcada por dificuldades, incluindo ações judiciais. Em junho, Itaú e BB venderam seus créditos após dificuldades impostas pela Mover e InterCement, com deságio no valor dos títulos.
“Foi um caso de grande complexidade, uma recuperação robusta, de mais de R$ 10 bilhões, envolvendo três grupos de credores relevantes”, avalia Eduardo Munhoz, do E. Munhoz Advogados. O plano recebeu aprovação de 99% em 6 de outubro, após pouco mais de dez meses de negociações e a entrada de novos atores como Marcelo Mindlin.
A recuperação judicial da InterCement focou na aprovação da dívida financeira, com corte no valor a receber e conversão de crédito em ações por grandes credores. Fornecedores, com exceções, receberão seus créditos integralmente em até três anos.
A distensão nas negociações ocorreu em junho, com a entrada de bondholders e Marcelo Mindlin nas mesas de negociação. Com créditos garantidos por ações da Loma Negra, eles imprimiram novo equilíbrio nas tratativas.
Leonardo Galvão, CEO da Mover, admitiu que o ambiente de negociações melhorou após reuniões com Mindlin e representantes de fundos de investimento. As conversas evoluíram para uma busca de solução, consolidada em 24 de julho, tornando-se um “deal” negociado a partir de junho, com credores financeiros convertendo dívidas em capital e fornecedores sendo bem atendidos.
Segundo Eduardo Munhoz, a aprovação do plano em prazo curto, dada a complexidade do caso e as intercorrências, como a venda de créditos por Itaú e BB, é notável. Ele destaca que é raro obter uma recuperação com a empresa em funcionamento, gerando caixa e sem perda de participação de mercado. Após a reestruturação, a relação dívida líquida/Ebitda da InterCement ficará abaixo de 2 vezes.
A cimenteira aprova o plano com caixa de quase R$ 2 bilhões, incluindo R$ 1,12 bilhão da venda de ativos na África. Ao final, após a transferência das ações, ficará com cerca de R$ 1 bilhão, após o pagamento de R$ 500 milhões à Mover e R$ 500 milhões a fornecedores.
A reestruturação financeira da InterCement Participações inclui a emissão de um título de US$ 500 milhões (R$ 2,75 bilhões), a ser resgatado com a venda da Loma Negra, e uma nota de dívida de R$ 1,8 bilhão pela InterCement Brasil, para pagamento em cinco anos com geração de caixa.
“A ICB (controlada no Brasil) sai fortalecida, com caixa e endividamento controlado”, afirma Galvão. No entanto, a empresa possui um elevado valor de contingências cíveis, tributárias e fiscais, que serão uma tarefa para os novos donos.
A Mover manterá como ativo operacional a incorporadora de imóveis para baixa renda HM Engenharia, com receita líquida anual de cerca de R$ 450 milhões. O grupo não cogita vender a incorporadora, vendo nela perspectivas promissoras e potencial de investimento para crescimento.
Até agora, a missão principal era resolver o endividamento do grupo. A partir de agora, a holding gerenciará os ativos e passivos remanescentes, como a construtora, o estaleiro EAS e uma fazenda de gado em Mato Grosso do Sul.
Fonte: Estadão