Crise de Energia Solar: Desequilíbrio, Risco de Apagão e Contas Altas

Crise na energia solar: produção excessiva causa desequilíbrio, risco de apagão e pressiona contas. Entenda os desafios para o sistema elétrico brasileiro.
Crise de Energia Solar — foto ilustrativa Crise de Energia Solar — foto ilustrativa

A rápida expansão da energia solar no Brasil, impulsionada pela busca dos consumidores por contas de luz mais baixas, está gerando um complexo cenário de desequilíbrio no sistema elétrico nacional. O fenômeno, conhecido como geração distribuída, onde residências e comércios produzem sua própria energia com painéis solares, tem levado a cortes na geração de usinas maiores e a um risco crescente de apagões, além de pressões financeiras no setor.

O caso mais recente ocorreu em um domingo de agosto, quando a queda acentuada do consumo, combinada com o feriado e baixas temperaturas, forçou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a reduzir drasticamente a geração de cerca de 90% das usinas. Este evento espelha a crise de racionamento de 2001, mas com uma causa oposta: em vez de escassez de oferta, o problema agora é o excesso de geração, principalmente devido à energia solar distribuída.

O ONS, responsável por gerenciar o fluxo de energia entre as usinas e a demanda, enfrenta desafios crescentes. O avanço da geração distribuída, que injeta energia diretamente nas redes de distribuição, dificulta o controle e a regulação da oferta. Isso obriga o operador a cortar a produção de grandes usinas, como as eólicas e solares, um processo chamado de curtailment, que acarreta impactos financeiros e insegurança jurídica.

A energia solar distribuída surgiu como uma alternativa para consumidores se protegerem dos altos custos da energia elétrica. Contudo, o alto investimento inicial para a instalação de painéis solares ainda limita o Acesso a essa tecnologia para grande parte da população. Embora seja uma fonte renovável crucial para a transição energética, seu crescimento exige planejamento e políticas que garantam expansão sustentável.

Desafios Operacionais e Financeiros da Geração Distribuída

O ONS alerta que, com o crescimento da geração distribuída, a previsão é que, em 2029, apenas 45% da capacidade instalada do sistema esteja sob sua coordenação. Essa fragmentação do controle levanta preocupações sobre a estabilidade do sistema. Um dia específico em agosto demonstrou a magnitude do problema: a geração distribuída sozinha injetou 23 gigawatts (GW) em um momento de consumo de 58 GW, forçando o corte em outras fontes para manter o equilíbrio.

Elbia Gannoun, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), destaca que a geração distribuída precisa ser um complemento, não o fator determinante, para não colocar o sistema em risco. Segundo a Abeeólica, o volume de energia solar e eólica cortado entre outubro de 2021 e agosto de 2025 já soma 39 terawatt-hora (TWh), o suficiente para suprir o consumo do Nordeste inteiro em um ano. Essa energia suprimida representa um prejuízo estimado em R$ 6 bilhões para o setor.

O setor de energia eólica enfrenta um risco de estrangulamento, conforme alertou Eduardo Ricotta, presidente da Vestas. A necessidade de uma solução rápida é iminente para reestruturar a cadeia produtiva. Da mesma forma, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) estima que R$ 30 bilhões em projetos de energia solar estão paralisados devido à imprevisibilidade dos cortes e à fuga de capital que essa incerteza gera.

Adicionalmente, o horário de pico de geração solar (10h-16h) coincide com baixo consumo. No final da tarde e início da noite, quando a demanda aumenta e a geração solar diminui, é necessário acionar usinas térmicas, muitas vezes mais poluentes e com Custos operacionais mais altos devido à sua “rampa” de aquecimento para entrar em funcionamento.

Origens e Planejamento do Crescimento

A complexidade da operação do sistema elétrico brasileiro aumentou significativamente, exigindo a modernização das ferramentas computacionais. Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR, ressalta a necessidade de que os desafios operacionais sejam mais considerados no planejamento para garantir uma matriz de recursos que permita ao ONS equilibrar oferta e demanda.

Historicamente, o planejamento de linhas de transmissão tem sido vinculado ao da demanda, não da oferta. No entanto, o avanço da geração distribuída superou as previsões: o volume atual já atinge o previsto para 2030. Nivalde de Castro, da UFRJ, descreve a situação como “absolutamente crítica”, com o crescimento exponencial da energia solar, de 132 MW para 60 mil MW em uma década, dois terços dos quais vêm da geração distribuída.

O rápido crescimento foi impulsionado por incentivos governamentais, que, segundo alguns especialistas, perderam sua razão de ser à medida que a energia solar se tornou competitiva. Paulo Cunha, da FGV Energia, aponta que a expansão ocorreu sem o devido tempo de adaptação das redes elétricas, impondo uma nova forma de operação a um sistema despreparado.

Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), contesta a ideia de subsídios, classificando-os como incentivos com prazo para terminar em 2029, conforme previsto no Marco Legal da Geração Distribuída. Ele argumenta que esses incentivos visam reduzir ou isentar tributos, facilitando o desenvolvimento do setor.

Perspectivas e Soluções de Longo Prazo

A resolução do problema da geração distribuída e seus impactos exige estratégias de longo prazo, pois diversos projetos de expansão da fonte solar estão em andamento. Especialistas sugerem aumentar a demanda de energia no país, atraindo grandes consumidores como data centers e produtores de hidrogênio. A expansão de sistemas de armazenamento, como baterias e usinas reversas, também é vista como uma solução crucial.

O ONS propõe a implementação de Operadores do Sistema de Distribuição (DSOs), que permitiria às concessionárias coordenar os recursos conectados diretamente às suas redes. Paralelamente, o Ministério de Minas e Energia (MME) criou um Grupo de Trabalho do Curtailment para analisar a situação e propor soluções regulatórias e operacionais, além de priorizar obras de transmissão e a instalação de equipamentos que reforcem a confiabilidade da rede.

Fonte: Estadão

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