A segurança pública se tornou um ponto de atrito entre os governos federal e de São Paulo ao longo dos últimos quase três anos. Casos recentes evidenciaram discursos conflitantes e obstáculos na cooperação entre as esferas federal e estadual, expondo uma relação difícil.

Embora a gestão de Tarcísio de Freitas, alinhada ao bolsonarismo, apresente baixa identificação com o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva em diversas áreas, a Secretaria de Segurança Pública, sob o comando de Guilherme Derrite, tem sido mais vocal em expressar divergências com o Palácio do Planalto.
O capítulo mais recente dessa tensão envolve a crise das bebidas adulteradas com metanol e o aumento de casos de intoxicação. Autoridades federais e Estaduais conduziram investigações paralelas, com linhas que divergem entre si, na apuração de um escândalo que gerou alarme nacional.

Divergências em Investigações
Tarcísio e Derrite descartaram o envolvimento do PCC (Primeiro Comando da Capital) no crime das bebidas adulteradas, o que gerou Críticas da oposição, que alega que essa possibilidade não deveria ser descartada antes da conclusão das investigações.
“Existem regras de logística reversa que, infelizmente, não estão sendo cumpridas. Um grande insumo para o falsificador é a garrafa que foi consumida e que deveria ir para a reciclagem, o que não está acontecendo. Ela é comprada no Mercado clandestino e facilita esse objeto de falsificação, porque essa garrafa não vai para o reenvase”, declarou Tarcísio.
Em contrapartida, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, informou que uma das hipóteses investigadas pela Polícia Federal (PF) é a origem do metanol em caminhões e tanques abandonados por criminosos após a Operação Tank.
“Todos sabem que recentemente tivemos enorme ação de combate à infiltração de crime organizado na área de combustíveis. Muitos caminhões e tanques de metanol foram abandonados depois da operação. Essa é uma hipótese que está sendo estudada, trilhada, acalentada pela Polícia Federal”, disse o ministro.
Disputa por Protagonismo em Operações
Em agosto, tanto o governo federal quanto o governo de São Paulo organizaram coletivas de imprensa separadas para divulgar a Operação Carbono Oculto, considerada a maior ação contra a infiltração do crime organizado na economia formal do País.
Para marcar território, o governo federal realizou uma coletiva com Lewandowski e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçando o papel da União na operação, que contou com diversas agências de segurança e fiscalização.
Tarcísio, por sua vez, divulgou um vídeo nas redes sociais atribuindo a ação ao trabalho do Gaeco com as polícias de São Paulo, “que se expandiu para todo o Brasil”. O governador afirmou que as facções estão sendo enfrentadas “como nunca antes” e que “o crime organizado não terá vez em São Paulo”.
Outros Pontos de Atrito
A relação tensa também ficou evidente em agosto, quando Derrite recusou ajuda da PF para investigar a execução do delegado Ruy Ferraz Pontes, afirmando que a polícia paulista seria “100% capaz” de resolver o caso.
Em 2024, as câmeras corporais em uniformes policiais em São Paulo foram outro ponto de desentendimento. O Ministério da Justiça publicou uma portaria com diretrizes para o uso dos equipamentos, após o governo Tarcísio descontinuar um programa similar instituído por seu antecessor.
Lewandowski nega que exista disputa por protagonismo, afirmando que há cooperação entre as esferas. Contudo, fontes da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo relatam incômodo com o que consideram tentativas do governo Lula de se apropriar de casos estaduais.
A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) é mencionada como um caso positivo de colaboração entre a SSP e a PF.
Análise de Especialistas
Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, observa uma disputa de protagonismo político entre os governos federal e de São Paulo. Ele destaca que operações contra o crime organizado ganharam relevância e estão no centro das atenções, com o governo Lula buscando protagonismo.
Lima alerta que o sucesso das operações contra o crime organizado depende da coordenação entre as agências. Ele aponta que as relações entre a PF e as polícias de SP, assim como com o Ministério Público de São Paulo, estão tensas desde denúncias de vazamentos na Operação Carbono Oculto, o que pode inviabilizar a colaboração e levar a um recuo no combate à criminalidade.
Um desalinhamento entre as instituições também contribuiu para a desidratação do projeto de lei antimáfia elaborado pelo Ministério da Justiça, que previa a criação de uma agência antimáfia. A Polícia Federal manifestou receio de que o novo órgão pudesse conflitar com suas atividades.
Fonte: Estadão