IA em Alta, Manufatura em Crise: O Futuro Dividido dos EUA

EUA: IA em expansão e manufatura em crise marcam futuro dividido. Entenda o impacto das políticas industriais e os desafios para a economia.
IA e manufatura nos EUA — foto ilustrativa IA e manufatura nos EUA — foto ilustrativa

Uma divisão acentuada marca o panorama dos negócios nos Estados Unidos, onde duas indústrias cruciais para o futuro do país – a manufatura e a inteligência artificial (IA) – seguem caminhos opostos. Ambas têm sido focos de atenção em Washington, independentemente do Governo em exercício.

O ex-presidente Donald Trump expressou o desejo de liderar o mundo em IA, enquanto também prometia reverter o declínio secular da manufatura americana. Contudo, enquanto a IA vive um momento de prosperidade, o setor manufatureiro mergulha em uma recessão cada vez mais profunda.

“O setor de software e serviços está acelerando e se tornando uma monomania cultural, ao mesmo tempo em que a manufatura permanece estagnada ou pior”, analisa Mark Muro, pesquisador sênior do Brookings Institution. “O boom da IA, de certa forma, está mascarando outras partes da economia que não estão performando bem.”

O governo Trump implementou tarifas abrangentes para proteger os fabricantes locais da concorrência Internacional. Essa medida segue os passos do governo Biden, que investiu bilhões de dólares no fortalecimento da produção de semicondutores e outros setores industriais nos EUA. Apesar dessas iniciativas, o setor manufatureiro perdeu 38 mil empregos desde o início do ano, de acordo com o Bureau of Labor Statistics.

Gráfico ilustrando a diferença de desempenho entre IA e manufatura nos EUA.
IA em expansão contrasta com crise na manufatura dos EUA.

O Boom da Inteligência Artificial

Paralelamente à queda na produção industrial, a inteligência artificial tem atraído investimentos recordes, elevando a avaliação de empresas de tecnologia a trilhões de dólares. A visão de como a IA pode transformar o mundo dos negócios impulsionou a demanda por microchips, sistemas de refrigeração, data centers e a energia necessária para operá-los.

Especialistas alertam que a indústria de IA poderá empregar um número reduzido de trabalhadores quando o entusiasmo inicial diminuir, uma vez que os data centers que a sustentam requerem poucas pessoas para operar. Há também o receio de que o estouro da bolha da IA possa impactar negativamente uma economia já fragilizada.

“Uma implicação interessante é que este boom de gastos com IA provavelmente criará menos empregos, especialmente para operários, do que as ondas anteriores de construção de infraestrutura”, observa Stephanie Aliaga, estrategista de mercado global do JPMorgan.

A Crise na Manufatura Americana

Os fabricantes americanos chegaram a empregar cerca de 19,5 milhões de trabalhadores em 1979, pico da indústria. Desde então, esse número caiu para menos de 13 milhões, com a perda de aproximadamente 78 mil postos de trabalho no período de um ano encerrado em agosto.

Os dados do Censo indicam uma diminuição no número de novas empresas no setor. O investimento em fábricas recuou cerca de 6% no ano até julho, conforme o Bureau of Economic Analysis, marcando a primeira queda desde o início de 2021.

Embora a produção industrial, medida pela S&P Global, tenha apresentado aumento, essa alta pode ser uma antecipação às tarifas, com fabricantes utilizando matérias-primas adquiridas antes da entrada em vigor das taxas. Especialistas apontam que os setores protegidos pelas tarifas foram compensados por aqueles afetados pelos custos mais altos e pela incerteza.

“Os empregos gerados pela proteção de setores como o de aço e alumínio foram amplamente superados pelas perdas decorrentes do aumento do custo desses insumos”, afirma Meagan Martin-Schoenberger, economista sênior da KPMG.

Gigantes como General Motors, Caterpillar e John Deere reportaram bilhões de dólares em custos relacionados às tarifas. As montadoras americanas registraram margens de Lucro mais baixas no segundo trimestre de 2025, atribuindo parte desse resultado às tarifas, segundo análise de Jason Miller, professor da Michigan State University.

O investimento anual em manufatura, incluindo fábricas de chips, mais que dobrou após a Lei dos Chips de 2022, atingindo um pico em 2024, antes de iniciar um declínio. Muitos desses projetos ainda estão em fase de construção, mas o investimento geral em fábricas diminuiu.

Políticas e Perspectivas

Apesar dos desafios, o governo dos EUA, sob a gestão Trump, tem implementado políticas pró-crescimento para a manufatura, incluindo tarifas e incentivos fiscais. Empresas estrangeiras, como farmacêuticas europeias, fabricantes de chips de Taiwan e montadoras japonesas, anunciaram planos de construir fábricas nos EUA, embora esses investimentos levem anos para se concretizar.

“O domínio da indústria manufatureira americana não foi construído nem perdido da noite para o dia. Foram décadas de investimentos e políticas de apoio para construí-lo, e décadas de políticas apáticas e incompetentes para desmantelá-lo”, declara Kush Desai, porta-voz da Casa Branca.

O setor de chips de última geração, essencial para a IA, tem se beneficiado da isenção de tarifas. Remessas de servidores, chips avançados e sistemas de energia subiram 64% no ano, impulsionadas pelo boom dos data centers.

O investimento em centros de dados cresceu quase 37% no primeiro semestre de 2025, enquanto a construção de fábricas caiu cerca de 3%. O investimento em equipamentos de informática aumentou mais de 45%, contrastando com os equipamentos industriais tradicionais, que permaneceram estáveis.

Investidores injetaram dezenas de bilhões em startups de IA e semicondutores. Oliver Allen, economista sênior da Pantheon Macroeconomics, alerta que a dissipação da euforia do mercado de IA poderia ter efeitos em cascata na economia.

“Se o boom de investimentos em IA desmoronasse como um castelo de cartas, acho que haveria um impacto significativo no crescimento”, disse Allen.

A criação de empregos na IA também gera preocupações. Embora os data centers possam impulsionar empregos em setores relacionados ao desenvolvimento de IA e sua construção, a operação em si é menos intensiva em mão de obra. Stephen Ezell, vice-presidente da Information Technology and Innovation Foundation, compara: “Uma fábrica de automóveis tradicional poderia empregar vários milhares de funcionários na mesma área.”

A Nvidia, por exemplo, firmou Parceria com a Intel, fabricante de chips que enfrenta demissões para cortar custos. A Intel concedeu ao governo dos EUA uma participação acionária recentemente.

Empregos na indústria tendem a oferecer melhores salários e benefícios, segundo Todd Tucker, diretor de política industrial e comércio do Instituto Roosevelt. “Em certa medida, você realmente ganhou na loteria como trabalhador braçal se tiver um emprego na indústria”, afirma.

A fabricação de chips pode ser benéfica para comunidades locais, trazendo empregos bem remunerados e canais de treinamento. No entanto, essas operações não costumam ser tão intensivas em mão de obra quanto as linhas de montagem tradicionais.

A busca pelo desenvolvimento da inteligência artificial geral, com habilidades cognitivas humanas, levanta dúvidas sobre a capacidade das ferramentas atuais de gerar receita suficiente para justificar o hype. Michael Strain, economista do American Enterprise Institute, acredita que a IA “nos tornará ricos um dia”, mas pode representar uma perda líquida de produtividade no curto prazo.

“Minha opinião é que, neste momento, a IA reduziu a produtividade em vez de aumentá-la — ela não está gerando muita receita, mas consumindo muito tempo e dinheiro”, disse Strain.

Fonte: Estadão

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