O Brasil está registrando um expressivo desperdício diário de R$ 21,9 milhões devido aos cortes de geração de energia elétrica, um fenômeno conhecido como curtailment no setor. As perdas anuais ultrapassam a marca de R$ 8 bilhões, conforme revela o recém-lançado “Desperdiçômetro” pela Associação Brasileira de Hidrogênio e Amônia Verdes (ABHAV).
A estimativa baseia-se na média de cortes de geração solar e eólica de julho, que alcançou 104,6 gigawatts-hora (GWh) diários. Utilizando o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) médio de R$ 210,00 por megawatt-hora (MWh) para o mesmo período, o cálculo aponta para o expressivo prejuízo financeiro.
Produção de Hidrogênio Verde e Redução de Emissões
Além do impacto financeiro, a ferramenta da ABHAV demonstra o potencial de produção de hidrogênio verde a partir dessa energia desperdiçada. Seriam mais de duas mil toneladas do combustível por dia, o que poderia levar a uma redução de 18,1 toneladas de CO2 na atmosfera, caso substituísse combustíveis de origem fóssil.
“A gente acredita que poderia fazer bom uso dessa energia, desde que tenha alguns dados e entenda o quanto está sendo desperdiçado”, afirmou Luciano Sousa, diretor de digital da ABHAV. A entidade planeja atualizar a base de dados periodicamente e automatizar a ferramenta para que o mercado possa utilizá-la para ajustar seus cálculos.
Leandro Borgo, presidente do Conselho Administrativo da ABHAV, enxerga no problema uma oportunidade de desenvolvimento industrial. “Acho que é uma oportunidade de industrialização, de Liderança do setor de data center, combustíveis renováveis, de hidrogênio verde”, disse Borgo.
Preocupação Crescente no Setor Elétrico
Os cortes de geração têm gerado forte preocupação entre as empresas do setor elétrico. Esse cenário resulta na frustração de receitas para geradoras eólicas e solares e, em alguns casos, em Custos adicionais com a compra de energia para cumprir contratos.
Em julho, empresas como Auren, Engie, Copel, Equatorial, CPFL e Cemig registraram níveis de curtailment que variam entre 20% e chegam a 30%, afetando significativamente suas operações.
A situação é agravada para usinas mais recentes, que ainda estão em fase de amortização de dívidas. Há o temor de que empresas de menor porte, com portfólios focados em eólica e solar em áreas de alto curtailment, não consigam suportar os impactos financeiros.
A geradora Rio Alto, em processo de recuperação extrajudicial, atribui parte de suas dificuldades financeiras aos efeitos do curtailment. Por sua vez, Karin Luchesi, diretora-presidente da Elera Renováveis, descreve a situação como crítica e necessitando de solução urgente. Ela compara o cenário atual com a “crise do GSF” (entre 2014 e 2018), ressaltando que, na época, os cortes eram menores e as empresas possuíam maior capacidade de lidar com a situação.
Medidas e Soluções em Discussão
Em março deste ano, o governo federal instituiu um grupo de trabalho para buscar soluções para o problema dos cortes de geração. Medidas operativas visam aumentar o escoamento de energia do Nordeste para outras regiões. Análises também consideram a possibilidade de cortes impactarem usinas de menor porte não despachadas centralmente pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Contudo, essas ações podem não ser suficientes para eliminar o curtailment, especialmente com o contínuo crescimento da geração solar distribuída.
Do ponto de vista estrutural, o reforço da rede elétrica e o aumento do consumo são cruciais. Especialistas defendem um aprimoramento do sinal de preço, com a possibilidade de preços nulos em horários de superoferta, para orientar consumidores e investidores. Essa mudança, no entanto, é complexa.
Outras frentes de solução incluem o desenvolvimento de novas indústrias, como data centers, e a expansão do uso de hidrogênio verde, amônia e outros combustíveis renováveis, além do incentivo à introdução de sistemas de armazenamento de energia (baterias).
Fonte: Estadão