Um projeto de resolução no Senado propõe limitar o endividamento da União, o que pode não apenas dificultar a gestão da dívida pelo Tesouro Nacional, mas também aumentar o poder de barganha do Congresso Nacional em negociações políticas com o Poder Executivo.



A possibilidade de aprovação dessa medida gerou preocupação na equipe econômica e no Banco Central, que buscaram modificações para mitigar os riscos. Contudo, um avanço na proposta ainda representa um perigo político e econômico, segundo integrantes do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Por se tratar de um projeto de resolução do Senado, o texto, se aprovado, não necessita da sanção presidencial, impedindo que Lula o vete.
O texto regulamenta um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que estabelece penalidades, como um corte de pelo menos 25% nas despesas nos quatro meses seguintes ao estouro do limite da dívida.
“Imediatamente teríamos que fazer um ajuste primário adicional de R$ 150 bilhões, R$ 200 bilhões num único exercício, o que equivale a mais de 2% do PIB, muito difícil de se imaginar”, alertou Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional. Por outro lado, economistas favoráveis à iniciativa veem na proposta uma maneira de controlar o avanço das despesas federais.
Limitação da Dívida Pública: Impacto no Congresso
O projeto está em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas o governo conseguiu adiar sua votação. O presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), autor do projeto, concordou em realizar audiências públicas, a primeira delas realizada na última terça-feira (7).
Na ocasião, Bruno Moretti, secretário especial de análise governamental da Casa Civil, destacou que a União emite títulos da dívida para cobrir despesas essenciais, como os benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Ele argumentou que, caso o limite de endividamento fosse atingido, a proibição de novas emissões “levaria ao não pagamento dessas despesas obrigatórias”, levantando dúvidas sobre a constitucionalidade da medida.
A situação se assemelha ao cenário dos Estados Unidos, onde o Congresso define um limite para a dívida, exigindo negociações políticas para sua ampliação e, por vezes, levando à interrupção de serviços públicos.
O senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), relator da proposta, considera que o modelo americano possui falhas e descarta paralelismos com o Brasil. “No nosso caso não existe [risco] porque não há limite fixo [para dívida], é percentual do PIB. Nós nunca teremos shutdown [apagão] se aprovarmos essa resolução, porque a saída está bem clara”, afirmou.
Teto da Dívida e Ajustes Propostos
O parecer do relator sugere um teto de 80% do PIB para a dívida bruta do governo geral (DBGG), com ajustes para excluir obrigações de estados e municípios e as operações compromissadas do Banco Central (BC), usadas para gerenciar a taxa Selic.
A dívida bruta, que em agosto estava em 77,5% do PIB, cairia para 65,2% do PIB com os ajustes propostos. No entanto, projeções indicam um crescimento da dívida nos próximos anos, o que poderia tornar o Executivo vulnerável ao Congresso.
Essa capacidade de barganha é uma preocupação governamental, que já enfrenta pressão de parlamentares para liberar emendas, que consomem uma fatia crescente do Orçamento Federal.
Para técnicos, a imposição de um limite de dívida para a União é politicamente mais complexa do que lidar com as emendas parlamentares.
O Executivo federal já vivenciou situações semelhantes. Entre 2019 e 2021, o governo precisou de autorizações especiais do Congresso para descumprir a “regra de ouro” e cobrir despesas correntes com emissão de dívidas.
O Congresso percebeu rapidamente o poder em mãos e utilizou o crédito como moeda de troca para acelerar emendas ou aprovar projetos de seu interesse. O governo, por sua vez, incluía gastos essenciais que dificilmente seriam barrados pelo Legislativo.
O risco com o limite da dívida, na visão de técnicos do governo, é que o Congresso ganhe o poder de liberar ou não a execução de despesas significativas, especialmente em um cenário de déficit primário.
Críticas e Incoerências Legislativas
Além das implicações políticas, o governo argumenta que limitar o endividamento não trará os resultados esperados pelo Congresso.
“A questão central são as medidas capazes de afetar a trajetória da dívida. Não é o limite em si que vai nos colocar frente a uma trajetória sustentável”, declarou Bruno Moretti em audiência pública. Ele sugere que seria mais eficaz pactuar com o Congresso medidas de controle de despesa obrigatória para fortalecer o arcabouço fiscal.
Nos bastidores, o governo aponta inconsistências no Legislativo, que exige ajuste fiscal e controle da dívida, mas toma decisões contrárias. Recentemente, a Câmara derrubou uma medida provisória que elevaria impostos para aumentar a arrecadação e aprovou uma PEC que flexibiliza regras de aposentadoria para agentes comunitários de saúde, com impacto bilionário.
A versão inicial do parecer de Guimarães era ainda mais restritiva, afetando as operações compromissadas do BC e limitando sua capacidade de gestão de liquidez e combate à inflação.
“A redação original teria um impacto bastante grande na forma de atuação e operacionalização, tanto da atividade que o Tesouro Nacional desempenha quanto da política monetária, com efeito que basicamente provocaria uma mudança de regime”, afirmou Gabriel Galípolo, presidente do BC, em setembro.
Galípolo ressaltou que a equipe técnica do BC forneceu subsídios ao relator, que acatou as ressalvas, mas frisou que não cabe ao BC julgar propostas legislativas.
Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral, critica a proposta, afirmando que ela pode aumentar o poder de barganha do Congresso sem resolver os problemas fiscais do país. “Não é por falta de regras fiscais que a gente não equilibra as contas públicas. Ter mais essa regra não sei se vai trazer retorno que a gente precisa. Seria o comprometimento de toda a classe política, de todos os Poderes, com essa maior disciplina fiscal. Isso, infelizmente, a gente não tem no Brasil, nem no Executivo, nem no Legislativo e nem no Judiciário”, disse.
Fonte: Folha de S.Paulo