Um estudo recente aponta que o grupo ideológico progressista no Brasil se distingue por ser mais rico, mais escolarizado e menos religioso, apresentando um notável isolamento em temas políticos. Essa característica, segundo a pesquisa, tem contribuído para alimentar o populismo predominante na ala mais à direita da sociedade brasileira.
A análise, intitulada “Populismo e progressismo no Brasil polarizado”, foi realizada pelo think tank More in Common em Parceria com a Quaest. A pesquisa entrevistou dez mil brasileiros em todo o país, buscando detalhar a opinião pública sobre diversas questões políticas. Diferente do senso comum de uma divisão estrita entre apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), o estudo identificou seis grupos com coerência de opinião e identidade política.
Os grupos “desengajados” e “cautelosos” representam a maioria da população (54%), com baixo engajamento político. Os segmentos identificados, em ordem de tamanho, são:
- Progressistas Militantes: 5%
- Esquerda Tradicional: 14%
- Desengajados: 27%
- Cautelosos: 27%
- Conservadores Tradicionais: 21%
- Patriotas Indignados: 6%
Progressistas Militantes: Perfil e Distanciamento Social
Os Progressistas Militantes se destacam por um perfil socioeconômico elevado: 53% possuem ensino superior, 37% têm renda superior a R$ 10 mil, 57% se declaram brancos e 41% não se identificam como religiosos. Este grupo se define majoritariamente como progressista (78%) e demonstra forte simpatia por partidos de esquerda como o PT (39%) e o PSOL (16%).
O alto engajamento político é uma marca deste segmento, com 71% considerando importante participar de manifestações e 69% discutindo política com frequência. Sua principal preocupação reside na luta contra desigualdades e opressões de raça e gênero, em contraste com a preponderância de valores como família e fé para outros grupos. O valor primordial para os Progressistas Militantes é a Justiça social.
A pesquisa revela um distanciamento significativo nas visões de mundo. Por exemplo, 70% dos outros cinco grupos concordam que “menores de idade que cometem crimes devem ir para a cadeia”, enquanto entre os Progressistas Militantes, essa concordância não chega a 30%. Similarmente, menos de 5% dos progressistas concordam que “os direitos humanos atrapalham o combate ao crime”, contra taxas entre 35% e 95% nos demais grupos.
Outra divergência notável ocorre em relação a “escolas militares promoverem Disciplina e valores morais necessários para uma educação de qualidade”, com apenas 20% de concordância entre os progressistas, enquanto outros grupos variam entre 50% e 90%. A confiança em instituições como a Igreja (menos de 20%) e as Forças Armadas (menos de 20%) também é significativamente menor entre os progressistas militantes em comparação com os demais segmentos.
Diferenças Sutis entre Esquerda e Direita
Embora os Progressistas Militantes e a Esquerda Tradicional sejam agrupados no espectro progressista, e os Conservadores Tradicionais e Patriotas Indignados no conservador, existem particularidades importantes.
Pablo Ortellado, diretor da More in Common, explica que, enquanto a diferença entre Conservadores Tradicionais e Patriotas Indignados reside mais na intensidade e identidade partidária (com os Patriotas mais alinhados ao bolsonarismo), no campo progressista a pauta é o que dita a distinção. Os Progressistas Militantes focam mais em questões de opressão de gênero e raça, enquanto a Esquerda Tradicional prioriza a desigualdade social.
Isolamento Progressista e o Fortalecimento do Populismo de Direita
A combinação de uma disposição populista na sociedade brasileira com um progressismo mais elitista (em termos de renda e escolaridade) cria uma base social favorável ao populismo cultural da direita. Este discurso frequentemente argumenta que elites intelectuais impõem valores progressistas a uma população essencialmente conservadora.
O estudo classifica o populismo em três tipos:
- Populismo político: Antagonismo entre o povo e as elites políticas.
- Populismo econômico: Antagonismo entre o povo e as elites econômicas (mais presente na esquerda).
- Populismo cultural: Antagonismo entre o povo e as elites culturais/intelectuais (muito forte na direita).
“O bolsonarismo está muito amparado na denúncia da esquerda enquanto elite. O fato de essa esquerda ter muitos traços de elite ancora, cria uma base social para esse discurso da direita e explica o sucesso do populismo cultural”, afirma Ortellado. O isolamento social dos Progressistas Militantes, combinado com a disposição populista geral, confere força a essa narrativa de direita.
O estudo também detalha o perfil dos outros grupos:
- Esquerda Tradicional: Escolarizados, católicos, presentes no Sudeste e Nordeste, com menor engajamento político e preocupação com questões sociais.
- Desengajados: Menos escolarizados, mais pobres, com insegurança alimentar, baixo engajamento político e pouca identidade partidária ou ideológica.
- Cautelosos: Menos escolarizados, mais pobres, com predominância no Nordeste e áreas rurais, desconfiados de elites intelectuais.
- Conservadores Tradicionais: Religiosos, pouco mobilizados politicamente, com identidades conservadoras, bolsonaristas e de direita menos intensas que os Patriotas.
- Patriotas Indignados: Escolarizados, religiosos (com forte presença evangélica), mobilizados politicamente, com identidades políticas muito fortes, informados por WhatsApp e YouTube, e descrentes de instituições políticas.
Fonte: Estadão