A importância de proteger denunciantes, também conhecidos como whistleblowers, é um tema central no combate à corrupção, mas o Brasil ainda enfrenta desafios significativos para implementar um arcabouço legal eficaz. Enquanto países como a Alemanha oferecem garantias robustas a agentes públicos que reportam irregularidades, o cenário brasileiro ainda expõe esses indivíduos a riscos pessoais e profissionais severos.
Comparativo Internacional: Alemanha vs. Brasil
Na Alemanha, um agente público que identifica pagamentos suspeitos ligados a políticos locais pode acionar canais oficiais de denúncia com a garantia de sigilo, proteção contra retaliações e segurança jurídica contra Demissão ou perseguição. Em casos de represálias, o ônus da prova recai sobre a instituição, que deve provar a ausência de discriminação. No Brasil, a denúncia de fraudes em licitações, por exemplo, expõe o indivíduo a riscos de perda de emprego, ações judiciais, difamação e isolamento social, sem mecanismos claros de proteção ou apoio.
Lacunas na Legislação Brasileira
A ausência de uma legislação abrangente de proteção ao denunciante de boa-fé coloca o Brasil em desvantagem. Normas existentes, como a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), focam na responsabilização do agente público, e não na proteção do denunciante. O Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) introduziu a possibilidade de recompensa financeira para colaboração em investigações, mas carece de um regime sistemático de proteção.
Pontos Essenciais para uma Lei de Proteção ao Denunciante
Para que uma lei de proteção ao denunciante seja efetiva no Brasil, o Congresso Nacional precisa endereçar pelo menos seis pontos cruciais:
- Proteção contra Retaliação: Necessidade de uma lei clara que impeça demissões, rebaixamentos ou perseguições administrativas.
- Anonimato Efetivo: Garantir a confidencialidade dos canais de denúncia para evitar a identificação do denunciante.
- Inversão do Ônus da Prova: Obrigar a instituição acusada a provar que não houve discriminação em caso de retaliação.
- Segurança Civil e Penal: Proteger denunciantes contra processos por difamação, calúnia ou danos morais, especialmente quando as denúncias são feitas de boa-fé.
- Incentivos Financeiros Adequados: Um modelo de recompensa que seja mais robusto e cubra uma gama maior de casos com recuperação de recursos públicos, a exemplo do que ocorre em outros países.
- Apoio Psicológico e Social: Criação de mecanismos de suporte para lidar com o isolamento e os danos reputacionais enfrentados pelos denunciantes.
Experiências Internacionais e Avanço Necessário
A experiência internacional demonstra que leis de proteção ao denunciante fortalecem a cultura de integridade. Nos Estados Unidos, o False Claims Act, em vigor desde a década de 1980, estimula denúncias de fraudes contra o governo, oferecendo proteção jurídica e recompensas. Na União Europeia, a Diretiva de 2019 obriga os países-membros a adotarem salvaguardas para denunciantes em setores público e privado. O Brasil, por outro lado, mantém instrumentos fragmentados, que não oferecem segurança suficiente. A adoção de uma lei nacional de proteção ao denunciante de boa-fé é vista como um passo fundamental para avançar na prevenção e no combate à corrupção, reconhecendo o ato de denunciar como um ato de coragem cívica que merece proteção.
Enquanto essa legislação não for implementada, o Brasil continuará em uma situação onde o medo prevalece sobre a ética, e potenciais aliados na luta contra a corrupção permanecerão em silêncio.
Fonte: Estadão