A Suprema Corte dos Estados Unidos está no centro de um debate crucial sobre as tarifas globais impostas pelo ex-presidente Donald Trump. O desfecho deste caso pode definir a capacidade de Trump de usar leis de emergência para impor tarifas sem a aprovação do Congresso e, a longo prazo, redefinir os limites do poder presidencial americano.
Ceticismo dos Juízes Conservadores
Durante a argumentação, os juízes conservadores expressaram ceticismo em relação à posição do governo Trump. A juíza Amy Coney Barrett questionou a generalidade das tarifas, enquanto o presidente John G. Roberts Jr. ponderou sobre a autoridade presidencial versus o poder do Congresso em matéria tributária. O juiz Neil M. Gorsuch levantou a preocupação de que o Congresso poderia delegar excessivamente sua autoridade ao presidente.
As tarifas impostas, sob a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) de 1977, foram dirigidas a diversos países, gerando dúvidas sobre sua justificativa. A disputa central gira em torno de saber se essas tarifas configuram efetivamente impostos, poder que a Constituição atribui primariamente ao Congresso.
Tarifas: Impostos ou Ferramentas Regulatórias?
Um ponto nevrálgico do debate é se as tarifas de Trump devem ser consideradas impostos. Os oponentes argumentam que, ao impostos sobre os cidadãos americanos, elas ultrapassam a autoridade do presidente, pois o poder de tributar é constitucionalmente reservado ao Congresso. O advogado Neal K. Katyal defendeu que as tarifas “tiram dinheiro do bolso dos americanos” e que o Congresso delegou esse poder com limites claros.
Em contrapartida, a Defesa de Trump, representada por D. John Sauer, sustenta que as tarifas não visam aumentar a receita, mas sim atuar como ferramentas regulatórias em relações exteriores. “Estas são tarifas regulatórias”, afirmou Sauer, sugerindo que a arrecadação de receita é um efeito colateral incidental.
Implicações para o Poder Presidencial e Relações Exteriores
A decisão da Suprema Corte poderá ter profundas implicações na divisão de poderes nos EUA. Juízes de diversas inclinações ideológicas demonstraram preocupação com a possibilidade de um “mecanismo unidirecional” que concentre cada vez mais poder nas mãos do Executivo, em detrimento dos representantes eleitos no Congresso. A juíza Sonia Sotomayor citou exemplos de tarifas impostas, inclusive contra o Brasil, questionando se a IEEPA confere poder ilimitado ao presidente.
Contudo, o juiz Brett M. Kavanaugh apresentou um contraponto, alertando que a invalidação das tarifas poderia restringir a capacidade do presidente de gerenciar relações exteriores e lidar com crises globais, como a guerra na Ucrânia.
Outras Autoridades e a Doutrina da Não Delegação
A discussão também explorou outras bases legais que o presidente poderia utilizar para impor tarifas, em vez da IEEPA. O advogado Katyal sugeriu que o Governo possui outras autoridades legítimas, mas que as leis associadas a elas possuem linguagem distinta, indicando que não foram concebidas como ferramentas tarifárias amplas. Uma alternativa mencionada é a Seção 122 da Lei Comercial de 1974, que permite tarifas de até 15% por 150 dias em crises de balanço de pagamentos, mas impõe limites rígidos.
O caso também pode reavivar a “doutrina da não delegação”, uma teoria jurídica conservadora que restringe a capacidade do Congresso de delegar sua autoridade legislativa a outros poderes do governo. Grupos conservadores têm buscado reviver essa doutrina, que foi utilizada pela Suprema Corte na década de 1930 para invalidar leis do New Deal. O juiz Alito questionou Katyal sobre o potencial legado de reviver esse argumento, ao que Katyal respondeu que a lei em questão representava uma delegação descontrolada.
Fonte: Estadão