A proposta de equiparar facções criminosas à Lei Antiterrorismo no Brasil gera preocupação entre especialistas. A medida, debatida na Câmara, pode inibir a atuação de empresas multinacionais e expor ainda mais vítimas do tráfico, especialmente em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. O projeto surge em resposta a operações policiais e compete com outra iniciativa do governo para combater facções.
Uma das principais consequências apontadas é que instituições financeiras e multinacionais tendem a restringir suas operações em locais com grupos classificados como terroristas. No Rio de Janeiro, onde extensas áreas estão sob domínio de grupos armados, essa classificação poderia dificultar a abertura de escritórios e a vinda de profissionais estrangeiros.
A legislação brasileira sobre terrorismo, de 2016, define atos praticados por xenofobia, discriminação ou preconceito racial e religioso, visando perturbar a paz pública. O Conselho de Segurança da ONU amplia a definição para ações que visem intimidar a população ou forçar governos a agir por motivos políticos.
Projeto na Câmara propõe nova definição de terrorismo
Um projeto em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados visa incluir na Lei Antiterrorismo atos que imponham “domínio ou controle de área territorial”. Essa alteração abarcaria grupos como o PCC e o Comando Vermelho, cuja atuação, embora associada ao tráfico de drogas, se estende ao controle territorial.
Especialistas argumentam que, embora essa alteração possa ser uma forma adicional de Punição a facções, ela também pode tornar empresas e cidadãos vulneráveis a sanções, especialmente se pagamentos de “taxa de proteção” forem interpretados como financiamento ao terrorismo. Isso poderia atrair sanções de países como os Estados Unidos.
A multinacional francesa Lafarge enfrentou um processo por admitir pagamentos a entidades ligadas ao Estado Islâmico para manter suas operações na Síria. Em 2022, a empresa pagou quase US$ 800 milhões em indenização ao Governo dos EUA, que classifica o Estado Islâmico como organização terrorista internacional. Similarmente, a Chiquita Brands pagou US$ 25 milhões em multa em 2007 por pagamentos a um grupo paramilitar colombiano designado como terrorista pelos EUA, alegando necessidade de proteger funcionários.
Divergências e impactos da classificação
Existem diferentes definições de terrorismo. A ONU cita a intenção de provocar morte, ferimentos graves, tomada de reféns, e a intimidação da população ou forçagem de governos por motivos políticos, raciais, étnicos ou religiosos. A lei brasileira de 2016 foca em xenofobia, discriminação racial, étnica e religiosa para provocar terror social.
O projeto na Câmara, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), busca adicionar a imposição de “domínio ou controle de área territorial” à definição de terrorismo, incluindo atividades de facções como CV e PCC. Jorge Lasmar, professor de Relações Internacionais da PUC Minas, observa que o terrorismo possui um componente político e ideológico, enquanto a criminalidade foca no financeiro, embora facções usem táticas terroristas. Ele aponta que o PCC já é alvo de sanções dos EUA pelo tráfico internacional de drogas.
Lasmar também alerta que a mudança legal pode não alterar a capacidade de governos estrangeiros punirem facções, mas traria impactos para empresas e pessoas físicas no Brasil. Acidentes provocados por atos de sabotagem ou terrorismo em ambiente de trabalho podem recair sobre o empregador, uma previsão não existente para episódios envolvendo facções. Seguradoras de automóveis, que normalmente excluem atos terroristas de suas apólices, também podem ter novas interpretações. A cobrança de “taxa de proteção” em áreas dominadas por facções poderia ser interpretada como financiamento ao terrorismo, afetando a reputação do Brasil.
Renato Galeno, coordenador de Relações Internacionais do Ibmec, concorda que a classificação de facções como terroristas pode alertar o setor de compliance de transnacionais, limitando a presença de funcionários em áreas de risco e dificultando a captação de investimentos para empresas de capital aberto. Galeno também vê a classificação como um potencial pretexto para intervenções estrangeiras, algo que preocupa o governo Lula.
Governos e a definição de terrorismo
Os Estados Unidos utilizam três tipos de punição: lista de “Estados patrocinadores” (como Irã e Venezuela), sanções para “organizações terroristas” (incluindo cartéis mexicanos e da América Central) e lista de “terroristas designados” para punir quem oferece “suporte” a sancionados. Galeno exemplifica que a inclusão de grupos venezuelanos em listas de terrorismo foi usada pelo governo Trump para bombardear embarcações, gerando menor resistência internacional.
Em contraste com o governo Lula, governadores como Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo e Cláudio Castro (PL) no Rio de Janeiro têm pressionado para que facções locais sejam rotuladas como “terroristas”. Freitas afirmou que o PCC “está se impondo pelo terror” em São Paulo, enquanto Castro argumentou à embaixada dos EUA que o CV se encaixa nos critérios para “designações terroristas”.
Fonte: InfoMoney