A ideia de que 2027 trará uma Virada para a responsabilidade fiscal no Brasil é uma ilusão. Embora ajustes sejam improváveis em 2026 devido às eleições, a correção de rota no ano seguinte esbarra em complexidades inerentes à gestão pública democrática.
Diferentemente de uma empresa, um país democrático não é administrado como uma companhia. A lógica corporativa, com sua natureza autoritária e a possibilidade de demitir funcionários insatisfeitos, não se aplica à gestão pública. O Orçamento de um país reflete o embate de forças políticas com interesses divergentes, uma característica fundamental da democracia, não uma contaminação técnica.
O Brasil enfrenta um problema fiscal de magnitude crescente, crônico e inegável. O próximo Governo terá o desafio de lidar com esse desequilíbrio, mas encontrar soluções eficazes é um caminho árduo.
Um exemplo claro são os gastos tributários. O Tribunal de Contas da União (TCU) estima que, em 2025, as isenções e subsídios atingirão R$ 544,5 bilhões. Esse montante seria suficiente para gerar o superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB.
Contudo, a redução expressiva desses gastos é factualmente inviável. Embora a Emenda Constitucional 109/2021 estabeleça a meta de limitar gastos tributários a 2% do PIB até 2029, eles representaram 4,9% do PIB no ano passado.
A análise do TCU aponta o Simples Nacional como o principal gasto tributário, totalizando R$ 204 bilhões, superando o valor do Bolsa Família. Projetos em tramitação na Câmara dos Deputados, que buscam aumentar esse subsídio, com um impacto adicional previsto de R$ 23 bilhões em 2026, demonstram a dificuldade em reverter essa tendência.
Milhões de eleitores e poderosos lobistas estão por trás de cada benefício fiscal, com frentes parlamentares dedicadas a defender esses interesses. Essa realidade difere radicalmente da lógica simplória de uma empresa.
A contrapartida de qualquer despesa pública é uma receita privada, e alterações nas regras geram reações proporcionais à capacidade de articulação dos setores afetados. Não há indicativos de que o novo governo consiga modificar essa dinâmica, mesmo com vontade política.
Espera-se que as mudanças sejam pontuais, parciais e insuficientes para resolver o problema fiscal. Enquanto isso, a aflição dos mercados tende a crescer em paralelo ao aumento da dívida pública brasileira.
Fonte: Estadão