O avanço da Inteligência Artificial (IA) está remodelando o setor de tecnologia, levando empresas a reavaliar seus quadros. Tarefas repetitivas são cada vez mais automatizadas, o que aumenta a demanda por profissionais experientes e, ao mesmo tempo, reduz as oportunidades para recém-contratados com perfis juniores.
Nos Estados Unidos, onde a adoção de IA é mais madura, um estudo da Universidade de Stanford revelou que trabalhadores juniores (22 a 25 anos) em áreas mais suscetíveis à IA viram seus empregos declinarem em 13%. Em contrapartida, profissionais mais seniores nas mesmas ocupações mantiveram suas posições ou viram crescimento.
No Brasil, a tendência atual se manifesta mais como uma revisão de funções do que demissões diretas. Alexandre Tibechrani, diretor da LHH, consultoria de transição de carreira, explica que o cenário brasileiro difere do de países mais avançados na corrida pela IA. “Hoje não existe nenhuma informação concreta que o mercado (brasileiro) de tecnologia está demitindo por causa da IA, isso não acontece ainda, mas as empresas estão considerando como podem usar agentes de IA para tarefas automatizadas”, afirma.
Impacto no Mercado Brasileiro de Tecnologia
As empresas brasileiras começam a rever descrições de cargos e salários antes de escalar suas operações com IA. Tibechrani estima que, no médio prazo, o Mercado decidirá se continuará contratando para demandas mais “fáceis” ou se reservará vagas para funções que exigem habilidades comportamentais e estratégicas. Isso ocorre porque a geração de relatórios, interpretação de dados e criação de gráficos foram simplificadas pelo uso de IAs.
Profissionais em cargos de entrada na área de tecnologia, como analistas de dados, programadores e desenvolvedores, são os mais expostos a esse risco.
A Perspectiva dos Profissionais Juniores de TI
Pedro Lacerda, 23 anos, desenvolvedor júnior em uma consultoria de software em São Paulo, não sente os efeitos negativos relatados por profissionais nos EUA. Ele utiliza a IA para automatizar tarefas mecânicas e aprender novos códigos. “A IA eliminou um dos maiores incômodos do desenvolvedor júnior, que era depender da boa vontade de fóruns e grupos para tirar dúvidas. Antes, eu ficava dias esperando uma resposta”, conta.
Ele usa a IA para agilizar o desenvolvimento de códigos, mas teme se tornar dependente da tecnologia. “O perigo é atrofiar o raciocínio. Se você só copia o que a IA sugere, perde a habilidade de pensar soluções”, ressalta.
Um levantamento da GitHub ouviu profissionais sobre a estimativa de que até 2030, 90% do código poderá ser escrito por IA. Metade dos entrevistados acredita que isso ocorrerá em até 5 anos, enquanto a outra metade estima 2 anos. Mesmo assim, a maioria não crê que a IA diminuirá o valor do trabalho humano. Martin Woodward, VP de relações com desenvolvedores da GitHub, avalia que a automação deve liberar profissionais para tarefas mais estratégicas e humanas.
Formação de Talentos vs. Automação
Galdir Reges, cientista de dados com mais de 15 anos de experiência, aponta que a prática de automatizar tarefas de juniores já ocorre de forma velada no Brasil. Ele alerta que usar IA em vez de formar novos talentos é um erro que compromete o futuro do setor. “Se não formarmos os novatos, quem vai assumir nossos lugares no futuro? O mercado está preferindo lidar com a IA do que com um júnior”, provoca.
Um profissional sênior da área de dados, que preferiu não se identificar, confirmou que sua empresa prefere transformar um funcionário experiente em “júnior temporário” a contratar um iniciante. Lacerda, por sua vez, acredita que o impacto da automação no Brasil será moderado, com a principal ameaça sendo a concorrência com profissionais estrangeiros que cobram menos, e não a substituição direta por IA.
“Quem souber usar a IA como ferramenta vai se dar bem. O problema é quando as empresas deixam de formar os juniores”, conclui.
Alexandre Tibechrani, da LHH, reforça que os profissionais de tecnologia evoluem mais rápido do que as empresas conseguem acompanhar, ditando um ritmo próprio para o Brasil.
Fonte: Estadão